Ele foi uma das muitas encarnações exemplares do homem corporativo. Robert S. McNamara nasceu em 9 de junho de 1916, em São Francisco, na Califórnia. Seu pai descendia de irlandeses que imigraram para os Estados Unidos no final do século XIX, fugindo da fome. McNamara destacou-se nos estudos e obteve seu MBA em Harvard, em 1939. Trabalhou um ano como auditor da Price Waterhouse (hoje, PricewaterhouseCoopers – PwC) e retornou a Harvard, como professor assistente. Na renomada instituição, desde sempre uma fábrica de gurus de gestão, McNamara ganhou fama pelo uso da estatística e de ferramentas analíticas. No início de 1943, entrou para as Forças Armadas, aplicando suas habilidades à análise da eficácia e da eficiência dos bombardeios norte-americanos na Ásia.
Após o final da guerra, McNamara entrou para a Ford. A empresa já era uma das maiores fabricantes de automóveis do mundo, mas encontrava-se em dificuldades e havia sido suplantada pela General Motors (que, sob a direção de Alfred Sloan, se tornara um modelo de gestão). McNamara juntou-se ao grupo de jovens talentos que ajudou a reverter a situação caótica da organização, implementando modernos sistemas de gestão e controle. Em sua ascendente carreira na Ford, ajudou a modernizar a linha de produtos e teve papel decisivo na introdução de itens de segurança nos automóveis, como os cintos de segurança. No final de 1960, em reconhecimento por sua contribuição para o sucesso da empresa, McNamara se tornou o primeiro presidente que não carregava o sobrenome Ford.
Entretanto, o prodígio dos números e das análises racionais não esquentou a cadeira presidencial. John F. Kennedy, eleito em 1960, convidou-o para integrar seu gabinete, na posição de secretário do Tesouro ou de secretário de Defesa. McNamara relutou, declarou-se pouco qualificado, mas acabou por aceitar o segundo posto. Foi secretário de Defesa por oito anos, primeiro sob o comando do próprio Kennedy e, após seu traumático assassinato, sob o comando do sucessor, Lyndon B. Johnson.
O administrador levou sua personalidade racionalista e suas ferramentas analíticas para o governo. Mergulhou com seus princípios harvardianos no mundo da Guerra Fria, das guerrilhas de libertação e da ameaça do avanço comunista. Ele realizou diagnósticos, analisou alternativas, escolheu soluções e monitorou cursos de ação. Pragmático, o administrador alterou políticas, mudou estratégias, modernizou estruturas de comando e alterou a alocação de recursos. Sob Kennedy e McNamara, a diretriz de guerra de retaliação total, que imperou na década de 1950, foi substituída pelo conceito de res-posta flexível: a guerra em múltiplas frentes, que procurava conter o avanço comunista on-de ele se manifestasse.
McNamara foi também um campeão da abordagem da análise sistêmica, que se tornaria popular no mundo corporativo nas décadas seguintes. Fundamentada em princípios lógicos, essa abordagem produzia tamanha quantidade de dados que, segundo os críticos, tornava-se difícil contradizer as conclusões, mesmo que parecessem arbitrárias. McNamara deixou o governo norte-americano no início de 1968, desgastado por atritos relacionados à Guerra do Vietnã: mais de 3 milhões de vietnamitas e quase 60 mil norte-americanos morreram durante o conflito. Seu próprio filho marchou contra ele e, anos depois de sua saída do governo, um passageiro de uma bal-sa, irritado por seu papel na guerra, tentou jogá-lo ao mar. De abril de 1968 até junho de 1981, McNamara presidiu o Banco Mundial, onde marcou sua passagem pelo aumento dos programas de saúde, alimentação, educação e combate à pobreza.
O documentário The Fog of War (2003), do premiado diretor Errol Morris, traz uma longa entrevista com McNamara. Argumento central: em tempos de guerra, ninguém no comando realmente sabe o que está acontecendo. Será o mesmo argumento válido para crises? É provável. McNamara, que tinha 85 anos durante as filmagens, surge articulado e professoral, seguro e assertivo. O administrador confessa sérios erros de julgamento, porém, não aceita ter cometido falhas morais. Em um trecho sobre a guerra, ele admite para o entrevistador que era apenas uma engrenagem, parte de uma máquina maior. O documentário está organizado em onze lições. A segunda lição é “a racionalidade não vai nos salvar”. Conclusão paradoxal para um personagem que pautou suas ações pela crença na razão e pelo amor aos números e às ferramentas de análise lógica; uma figura histórica que influenciou gerações de analistas e planejadores estratégicos. A trajetória é exemplar. O filme é obrigatório.
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sábado, 28 de novembro de 2009
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