Para os turistas que visitam a Amazônia, um passeio tradicional é o encontro das águas. A atração acontece na confluência entre os rios Negro, de água preta, escura, e o Solimões, de água barrenta. Em lugar de se misturarem no ponto da junção, as águas dos dois rios correm separadas, lado a lado, por mais de 6 quilômetros. O fenômeno se deve à diferença entre a densidade, a temperatura e a velocidade das águas dos dois rios. O rio Negro corre a cerca de 2 quilômetros por hora, a uma temperatura de 22 graus, e o Solimões a cerca de 4 a 6 quilômetros por hora, a temperatura de 28 graus.
Fenômeno similar acontece longe da (por enquanto) verdejante Amazônia, nos domínios corporativos do mundo industrializado e também entre grandes empresas da emergente Pindorama. Trata-se da integração entre empresas, processo que segue fusões e aquisições. O marco inicial costuma ter data certa, mas a integração efetiva demanda, como no caso do Negro e do Solimões, bons e acidentados quilômetros de convivência.
Cumpre registrar que não se trata de fato novo. Desde os anos 1980, aumentaram consideravelmente os casos de encontros de águas. Como tudo no mundo contemporâneo, também desta feita a causa foi a tal da globalização. Afinal, foi a cria da dupla Thatcher & Reagan que originou as pressões competitivas, facilitou o acesso ao capital e decretou a necessidade de consolidação industrial.
A balbúrdia competitiva gerou fortes reflexos nas hostes corporativas. Tome-se um caso célebre. Em 1998, foi anunciada a fusão entre a alemã Daimler-Benz e a norte-americana Chrysler, dando origem à Daimler-Chrysler. A retórica oficial falava em fusão de iguais, em complementaridade estratégica e grandes sinergias a explorar. Propagandas nas revistas de negócios mostravam o lado humano da nova empresa, com fotos de operários felizes nos dois lados do Atlântico. Na prática, os dois rios nunca se misturaram. Frustrações e atritos marcaram a breve história da empresa. Em 2007, cada empresa voltou a seguir o seu curso. Agora é a italiana Fiat que se apresenta como salvadora da combalida empresa norte-americana. Serão as águas do rio Pó miscíveis com as águas do rio Detroit? Acionistas, consumidores e trabalhadores torcem para que sejam, e que a mistura seja muito, muito rápida.
Loquazes executivos costumam fazer eco ao discurso dos gurus da gestão: expressões como “DNA corporativo”, “compartilhamento de valores”, “cultura forte” e “identidade forte” passaram a integrar o jargão do mundo dos negócios. Por trás do palavrório de sentido nebuloso encontra-se a busca da uniformidade e de fundamentos comuns. Na prática, os sucessivos processos de fusão e aquisição promovidos pelas empresas dão origem a organizações extremamente fragmentadas, caracterizadas pelo que começa a ser denominado de hibridismo.
O termo hibridismo deriva da palavra latina hybrida, hibrida ou ibrida, que tem o sentido de insulto ou ultraje. Tal sentido se deve ao fato de que plantas ou animais de raças ou espécies diferentes não serem capazes de produzir descendentes comuns. Daí ser o produto do cruzamento considerado um insulto ou ultraje ao ciclo natural. Semelhanças com certos casos de fusão ou aquisição podem ser mais do que coincidência.
Nas empresas em processo de fusão e aquisição, o hibridismo pode se manifestar de diversas formas: na existência de sistemas e processos redundantes; no canibalismo entre marcas e produtos; e, principalmente, no choque entre diferentes culturas de trabalho e na disputa por cargos e funções. Para os gestores, a questão do ritmo de integração tem sido um grande foco de atenção. Apressar os rios pode gerar conflitos, perdas de quadros qualificados e riscos aos negócios. Deixar os próprios rios determinarem a velocidade de integração pode resultar em acomodação ao status quo e gerar processos lentos, incapazes de produzir resultados. Achar o ritmo certo é o grande desafio.
Em 2009, Pindorama oferece, além do fenômeno das águas amazônicas, diversos espetáculos corporativos.
E outros provavelmente virão. Em jogo, está a consolidação de grandes grupos econômicos brasileiros. Para aqueles diretamente envolvidos, os desafios e as emoções serão fortes. Para a audiência, será uma boa oportunidade para aprender sobre um processo cada vez mais frequente nas empresas. No trajeto, talvez o discurso da identidade, da cultura e do DNA corporativo dê lugar a uma postura mais realista, capaz de aceitar a realidade múltipla, instável e híbrida das organizações contemporâneas; uma postura que busque mais a convivência entre as diferenças do que a uniformização.
http://www.cartacapital.com.br/app/coluna.jsp?a=2&a2=5&i=4316
sábado, 28 de novembro de 2009
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