Um turista que deixasse Pindorama no verão de 2008 e retornasse no inverno de 2009 notaria sensíveis mudanças nos domínios corporativos: os planos de expansão deram lugar a cenários de contenção, os projetos de investimento cederam espaço para a austera administração do fluxo de caixa e a busca por pessoal qualificado foi trocada pela redução de quadros.
A crise, de matriz ianque, atingiu os trópicos. Afinal, no mundo financeiro, ninguém é inocente. Algumas empresas sofreram com vagalhões; outras, mais afortunadas, foram atingidas por pequenas marolas. Em uma mesa-redonda recente, organizada por este escriba na FGV-EAESP, Eduardo Dal Lago, sócio-diretor da consultoria Synthese, discutiu os efeitos da crise e as reações das empresas.
A crise elevou o grau de imprevisibilidade, antítese da estabilidade e da confiança, matérias-primas essenciais para os negócios. A nova condição de navegação, com nevoeiro espesso, mar revolto e ameaças de icebergs, parece ter surpreendido capitães e tripulações. Enquanto o crédito se esvaía, a inadimplência de clientes crescia. Enquanto a valorização do dólar aumentava o preço dos insumos importados, concorrentes lançavam-se em guerras de preços.
Além de provocar estragos nos fluxos de caixa, a crise também afetou as operações. Uma empresa de embalagens, que dividia sua produção entre clientes da indústria farmacêutica e clientes da indústria de cosméticos, observou os pedidos dos primeiros declinarem, enquanto os últimos mantinham os níveis anteriores à crise. Em uma maternidade e hospital paulistano, o efeito da crise foi similar. Enquanto a maternidade perdeu clientes, que provavelmente adiaram o crescimento da família para um momento mais propício, o hospital assistiu a um aumento do número de cirurgias, programadas por pacientes temerosos que seus empregos, e portanto seus planos de saúde, não resistissem à crise. Mudanças deste tipo desorganizam as operações e exigem reações rápidas, podendo afetar negativamente os prazos de entrega e a qualidade do atendimento.
E como as empresas estão reagindo ao novo contexto? Dal Lago apontou quatro tendências. A primeira tendência é adotar soluções de curto prazo, em detrimento de visões de médio e longo prazo. Em uma situação de crise, é esperado que as empresas trabalhem com cenários negativos, congelem investimentos e evitem contratações. Porém, quando se acredita piamente na catástrofe, pode-se estimular, inadvertidamente, o pior cenário. Ao interromper projetos quase terminados e bloquear de forma completa contratações, algumas empresas podem ter comprometido receitas que superariam os investimentos realizados.
A segunda tendência é priorizar questões financeiras e de mercado, em detrimento de questões relacionadas a pessoas e comunicação. Obviamente, quando a solvência da empresa é colocada em risco, é preciso controlar cuidadosamente os sinais vitais. Conforme observou Dal Lago: “Se o navio corre risco de afundar, primeiro é preciso cuidar dos botes salva-vidas; o bem-estar dos passageiros fica para depois”. Porém, a falta de atenção, por períodos prolongados, com o clima organizacional e com a comunicação pode levar à deterioração da gestão, à perda de talentos e a prejuízos irreversíveis.
A terceira tendência é centralizar o poder, reduzindo a autonomia do nível operacional e da linha de frente. A medida faz sentido. A centralização da tomada de decisão aumenta a agilidade. No entanto, o efeito positivo pode ser anulado se os tomadores de decisão tentarem ampliar sua alçada, resolvendo não apenas “o que deve ser feito”, mas também “como deve ser feito”.
A quarta tendência é adotar fórmulas clássicas e pretensamente testadas de redução de custos, em lugar de soluções mais criativas, voltadas para questões estratégicas. Diante da retração do mercado, muitas empresas foram rápidas nos cortes de custos e nas demissões. Algumas aproveitaram o momento para fazer ajustes que deveriam ter sido feitos há muito tempo. Por outro lado, deixaram de ver que a crise, como todo momento de mudança, gera também oportunidades. Infelizmente, a atenção dos capitães parece estar focada demais nos problemas do momento, impedindo-os de pensar em rotas alternativas.
Infelizmente, além de seus efeitos materiais óbvios, a crise trouxe muitas empresas e muitos executivos de volta a uma conhecida e anacrônica zona de conforto, caracterizada pelo foco no curto prazo, pela agitação em torno de ações de efeito apenas cosmético e pela falta de visão estratégica. Para as organizações que caírem nessa armadilha restará apenas uma boa desculpa para os maus resultados. Aquelas que a evitarem provavelmente sairão da crise mais fortes e mais aptas a lidar com a incerteza.
http://www.cartacapital.com.br/app/coluna.jsp?a=2&a2=5&i=4561
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