No patoá cotidiano, empregamos a expressão “empurrar com a barriga”. Ela vem assim mesmo, no infinitivo ou então no gerúndio. No entanto, o termo apropriado na fala pátria é procrastinar. Substituímos o segundo pelo primeiro para tornar a pouco edificante mania mais simpática. Empurrar com a barriga é típico de boa-praça. Procrastinar soa quase delinquente. E é difícil de falar, como se a língua lutasse para sincronizar seus movimentos com os músculos faciais, o palato a reprimir, sem sucesso, a sublevação das partes inferiores. O significado tampouco é dos mais dignos. Procrastinar (apud Houaiss) é adiar, deixar para depois, delongar, postergar. Em suma, algo bom não é.
Não obstante, a feiura não lhe subtrai popularidade: procrastinamos o início da dieta, as resoluções de ano-novo e o check-up médico, procrastinamos tudo que parece enfadonho e tudo que demanda muito trabalho, procrastinamos decisões difíceis e ações impopulares, procrastinamos no trabalho e na vida pessoal, procrastinamos o namoro (por temer o casamento) e o casamento (por temer o divórcio). Às vezes, procrastinamos a vida e até tentamos procrastinar a morte.
A popularidade e a irracionalidade do ato – a procrastinação – sempre despertarão a curiosidade dos estudiosos do comportamento humano. Por que, afinal, sabotamos ou prejudicamos a nós mesmos, deixando para amanhã o que devemos fazer hoje? Por que preferimos a agonia da espera em lugar de fazer de uma vez o que precisamos? Terá nossa herança genética nos programado para adiar e postergar? Terá nossa mente uma perversão instalada que nos isola do senso de urgência?
Alguns psicólogos apostam em nossa baixa auto-estima e em nossa insegurança. Se estivermos incertos do sucesso ou temermos os resultados, adiaremos o quanto pudermos a tarefa. Outros pesquisadores notam a falta na nossa falta de autocontrole. Sem disciplina, tendemos a agir de forma impulsiva e pouco racional, adiando atividades para as quais deveríamos dar prioridade. Naturalmente, embora às vezes seja completamente irracional, aceitamos como deveras humano tentar adiar atividades pouco estimulantes, difíceis ou simplesmente aborrecidas.
Em um número recente da revista científica Psychological Science, Sean M. McCrea e mais três colegas pesquisadores tentam outra explicação. A conclusão, que recebeu atenção da imprensa europeia e norte-americana, é que agimos em tempo quando recebemos tarefas concretas, porém tendemos a adiar o trabalho quando enxergamos as tarefas de uma forma mais abstrata, ou seja, quando percebemos uma atividade como distante do aqui e agora, tendemos a confiná-la em um futuro vago e longínquo.
Em um experimento realizado com estudantes, os pesquisadores observaram que quase todos que foram induzidos a pensar em termos concretos completaram suas tarefas dentro do prazo, enquanto mais da metade daqueles que foram induzidos a pensar de forma mais abstrata perderam seus prazos. Se os resultados forem generalizáveis, então simplesmente apresentar certas tarefas de forma mais detalhada e objetiva pode aumentar a possibilidade de tê-las resolvidas dentro do prazo.
Os resultados têm inegável interesse para o mundo corporativo, no qual o comportamento de empurrar com a barriga chega a ser endêmico. Nos últimos anos, mudanças no ambiente de trabalho, com a introdução de novos sistemas e modelos de gestão, de incontáveis prêmios e certificações, criaram uma camada de fumaça e vapor sobre as organizações. Administrar perdeu parte de seu caráter prático para se transformar em atividade abstrata, cheia de metáforas, estórias e fábulas. Muita reunião para pouca ação. Em suma, um ambiente que não só favorece a procrastinação, como também premia os procrastinadores. Neste novo ambiente, para cada decisão banal, é preciso penetrar no obscuro mundo dos modelos teóricos e discutir coerências improváveis. Mais abstração levando a mais procrastinação.
O pior é que a torpe mania gera efeito dominó. As organizações são hoje sistemas fortemente interconectados, nos quais cada área ou profissional depende de outros, e condiciona o trabalho de outros. Se uma dessas “peças” atrasa sua tarefa ou deixa de cumprir seu prazo, gera uma onda de ineficiência em todo o sistema. Somem-se essas ineficiências e chega-se ao resultado: custos altos, baixa rentabilidade, serviços de má qualidade, clientes mal atendidos e imagem prejudicada. Conclusão: procrastinar pode ser humano, mas é feio. Portanto, usemos com moderação.
http://www.cartacapital.com.br/app/coluna.jsp?a=2&a2=5&i=3443
Não obstante, a feiura não lhe subtrai popularidade: procrastinamos o início da dieta, as resoluções de ano-novo e o check-up médico, procrastinamos tudo que parece enfadonho e tudo que demanda muito trabalho, procrastinamos decisões difíceis e ações impopulares, procrastinamos no trabalho e na vida pessoal, procrastinamos o namoro (por temer o casamento) e o casamento (por temer o divórcio). Às vezes, procrastinamos a vida e até tentamos procrastinar a morte.
A popularidade e a irracionalidade do ato – a procrastinação – sempre despertarão a curiosidade dos estudiosos do comportamento humano. Por que, afinal, sabotamos ou prejudicamos a nós mesmos, deixando para amanhã o que devemos fazer hoje? Por que preferimos a agonia da espera em lugar de fazer de uma vez o que precisamos? Terá nossa herança genética nos programado para adiar e postergar? Terá nossa mente uma perversão instalada que nos isola do senso de urgência?
Alguns psicólogos apostam em nossa baixa auto-estima e em nossa insegurança. Se estivermos incertos do sucesso ou temermos os resultados, adiaremos o quanto pudermos a tarefa. Outros pesquisadores notam a falta na nossa falta de autocontrole. Sem disciplina, tendemos a agir de forma impulsiva e pouco racional, adiando atividades para as quais deveríamos dar prioridade. Naturalmente, embora às vezes seja completamente irracional, aceitamos como deveras humano tentar adiar atividades pouco estimulantes, difíceis ou simplesmente aborrecidas.
Em um número recente da revista científica Psychological Science, Sean M. McCrea e mais três colegas pesquisadores tentam outra explicação. A conclusão, que recebeu atenção da imprensa europeia e norte-americana, é que agimos em tempo quando recebemos tarefas concretas, porém tendemos a adiar o trabalho quando enxergamos as tarefas de uma forma mais abstrata, ou seja, quando percebemos uma atividade como distante do aqui e agora, tendemos a confiná-la em um futuro vago e longínquo.
Em um experimento realizado com estudantes, os pesquisadores observaram que quase todos que foram induzidos a pensar em termos concretos completaram suas tarefas dentro do prazo, enquanto mais da metade daqueles que foram induzidos a pensar de forma mais abstrata perderam seus prazos. Se os resultados forem generalizáveis, então simplesmente apresentar certas tarefas de forma mais detalhada e objetiva pode aumentar a possibilidade de tê-las resolvidas dentro do prazo.
Os resultados têm inegável interesse para o mundo corporativo, no qual o comportamento de empurrar com a barriga chega a ser endêmico. Nos últimos anos, mudanças no ambiente de trabalho, com a introdução de novos sistemas e modelos de gestão, de incontáveis prêmios e certificações, criaram uma camada de fumaça e vapor sobre as organizações. Administrar perdeu parte de seu caráter prático para se transformar em atividade abstrata, cheia de metáforas, estórias e fábulas. Muita reunião para pouca ação. Em suma, um ambiente que não só favorece a procrastinação, como também premia os procrastinadores. Neste novo ambiente, para cada decisão banal, é preciso penetrar no obscuro mundo dos modelos teóricos e discutir coerências improváveis. Mais abstração levando a mais procrastinação.
O pior é que a torpe mania gera efeito dominó. As organizações são hoje sistemas fortemente interconectados, nos quais cada área ou profissional depende de outros, e condiciona o trabalho de outros. Se uma dessas “peças” atrasa sua tarefa ou deixa de cumprir seu prazo, gera uma onda de ineficiência em todo o sistema. Somem-se essas ineficiências e chega-se ao resultado: custos altos, baixa rentabilidade, serviços de má qualidade, clientes mal atendidos e imagem prejudicada. Conclusão: procrastinar pode ser humano, mas é feio. Portanto, usemos com moderação.
http://www.cartacapital.com.br/app/coluna.jsp?a=2&a2=5&i=3443
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