sábado, 28 de novembro de 2009

O Racionalista Exemplar

Ele foi uma das muitas encarnações exemplares do homem corporativo. Robert S. McNamara nasceu em 9 de junho de 1916, em São Francisco, na Califórnia. Seu pai descendia de irlandeses que imigraram para os Estados Unidos no final do século XIX, fugindo da fome. McNamara destacou-se nos estudos e obteve seu MBA em Harvard, em 1939. Trabalhou um ano como auditor da Price Waterhouse (hoje, PricewaterhouseCoopers – PwC) e retornou a Harvard, como professor assistente. Na renomada instituição, desde sempre uma fábrica de gurus de gestão, McNamara ganhou fama pelo uso da estatística e de ferramentas analíticas. No início de 1943, entrou para as Forças Armadas, aplicando suas habilidades à análise da eficácia e da eficiência dos bombardeios norte-americanos na Ásia.

Após o final da guerra, McNamara entrou para a Ford. A empresa já era uma das maiores fabricantes de automóveis do mundo, mas encontrava-se em dificuldades e havia sido suplantada pela General Motors (que, sob a direção de Alfred Sloan, se tornara um modelo de gestão). McNamara juntou-se ao grupo de jovens talentos que ajudou a reverter a situação caótica da organização, implementando modernos sistemas de gestão e controle. Em sua ascendente carreira na Ford, ajudou a modernizar a linha de produtos e teve papel decisivo na introdução de itens de segurança nos automóveis, como os cintos de segurança. No final de 1960, em reconhecimento por sua contribuição para o sucesso da empresa, McNamara se tornou o primeiro presidente que não carregava o sobrenome Ford.

Entretanto, o prodígio dos números e das análises racionais não esquentou a cadeira presidencial. John F. Kennedy, eleito em 1960, convidou-o para integrar seu gabinete, na posição de secretário do Tesouro ou de secretário de Defesa. McNamara relutou, declarou-se pouco qualificado, mas acabou por aceitar o segundo posto. Foi secretário de Defesa por oito anos, primeiro sob o comando do próprio Kennedy e, após seu traumático assassinato, sob o comando do sucessor, Lyndon B. Johnson.

O administrador levou sua personalidade racionalista e suas ferramentas analíticas para o governo. Mergulhou com seus princípios harvardianos no mundo da Guerra Fria, das guerrilhas de libertação e da ameaça do avanço comunista. Ele realizou diagnósticos, analisou alternativas, escolheu soluções e monitorou cursos de ação. Pragmático, o administrador alterou políticas, mudou estratégias, modernizou estruturas de comando e alterou a alocação de recursos. Sob Kennedy e McNamara, a diretriz de guerra de retaliação total, que imperou na década de 1950, foi substituída pelo conceito de res-posta flexível: a guerra em múltiplas frentes, que procurava conter o avanço comunista on-de ele se manifestasse.

McNamara foi também um campeão da abordagem da análise sistêmica, que se tornaria popular no mundo corporativo nas décadas seguintes. Fundamentada em princípios lógicos, essa abordagem produzia tamanha quantidade de dados que, segundo os críticos, tornava-se difícil contradizer as conclusões, mesmo que parecessem arbitrárias. McNamara deixou o governo norte-americano no início de 1968, desgastado por atritos relacionados à Guerra do Vietnã: mais de 3 milhões de vietnamitas e quase 60 mil norte-americanos morreram durante o conflito. Seu próprio filho marchou contra ele e, anos depois de sua saída do governo, um passageiro de uma bal-sa, irritado por seu papel na guerra, tentou jogá-lo ao mar. De abril de 1968 até junho de 1981, McNamara presidiu o Banco Mundial, onde marcou sua passagem pelo aumento dos programas de saúde, alimentação, educação e combate à pobreza.

O documentário The Fog of War (2003), do premiado diretor Errol Morris, traz uma longa entrevista com McNamara. Argumento central: em tempos de guerra, ninguém no comando realmente sabe o que está acontecendo. Será o mesmo argumento válido para crises? É provável. McNamara, que tinha 85 anos durante as filmagens, surge articulado e professoral, seguro e assertivo. O administrador confessa sérios erros de julgamento, porém, não aceita ter cometido falhas morais. Em um trecho sobre a guerra, ele admite para o entrevistador que era apenas uma engrenagem, parte de uma máquina maior. O documentário está organizado em onze lições. A segunda lição é “a racionalidade não vai nos salvar”. Conclusão paradoxal para um personagem que pautou suas ações pela crença na razão e pelo amor aos números e às ferramentas de análise lógica; uma figura histórica que influenciou gerações de analistas e planejadores estratégicos. A trajetória é exemplar. O filme é obrigatório.

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Efeitos da Crise no Pensamento Estratégico

Um turista que deixasse Pindorama no verão de 2008 e retornasse no inverno de 2009 notaria sensíveis mudanças nos domínios corporativos: os planos de expansão deram lugar a cenários de contenção, os projetos de investimento cederam espaço para a austera administração do fluxo de caixa e a busca por pessoal qualificado foi trocada pela redução de quadros.

A crise, de matriz ianque, atingiu os trópicos. Afinal, no mundo financeiro, ninguém é inocente. Algumas empresas sofreram com vagalhões; outras, mais afortunadas, foram atingidas por pequenas marolas. Em uma mesa-redonda recente, organizada por este escriba na FGV-EAESP, Eduardo Dal Lago, sócio-diretor da consultoria Synthese, discutiu os efeitos da crise e as reações das empresas.

A crise elevou o grau de imprevisibilidade, antítese da estabilidade e da confiança, matérias-primas essenciais para os negócios. A nova condição de navegação, com nevoeiro espesso, mar revolto e ameaças de icebergs, parece ter surpreendido capitães e tripulações. Enquanto o crédito se esvaía, a inadimplência de clientes crescia. Enquanto a valorização do dólar aumentava o preço dos insumos importados, concorrentes lançavam-se em guerras de preços.

Além de provocar estragos nos fluxos de caixa, a crise também afetou as operações. Uma empresa de embalagens, que dividia sua produção entre clientes da indústria farmacêutica e clientes da indústria de cosméticos, observou os pedidos dos primeiros declinarem, enquanto os últimos mantinham os níveis anteriores à crise. Em uma maternidade e hospital paulistano, o efeito da crise foi similar. Enquanto a maternidade perdeu clientes, que provavelmente adiaram o crescimento da família para um momento mais propício, o hospital assistiu a um aumento do número de cirurgias, programadas por pacientes temerosos que seus empregos, e portanto seus planos de saúde, não resistissem à crise. Mudanças deste tipo desorganizam as operações e exigem reações rápidas, podendo afetar negativamente os prazos de entrega e a qualidade do atendimento.

E como as empresas estão reagindo ao novo contexto? Dal Lago apontou quatro tendências. A primeira tendência é adotar soluções de curto prazo, em detrimento de visões de médio e longo prazo. Em uma situação de crise, é esperado que as empresas trabalhem com cenários negativos, congelem investimentos e evitem contratações. Porém, quando se acredita piamente na catástrofe, pode-se estimular, inadvertidamente, o pior cenário. Ao interromper projetos quase terminados e bloquear de forma completa contratações, algumas empresas podem ter comprometido receitas que superariam os investimentos realizados.

A segunda tendência é priorizar questões financeiras e de mercado, em detrimento de questões relacionadas a pessoas e comunicação. Obviamente, quando a solvência da empresa é colocada em risco, é preciso controlar cuidadosamente os sinais vitais. Conforme observou Dal Lago: “Se o navio corre risco de afundar, primeiro é preciso cuidar dos botes salva-vidas; o bem-estar dos passageiros fica para depois”. Porém, a falta de atenção, por períodos prolongados, com o clima organizacional e com a comunicação pode levar à deterioração da gestão, à perda de talentos e a prejuízos irreversíveis.

A terceira tendência é centralizar o poder, reduzindo a autonomia do nível operacional e da linha de frente. A medida faz sentido. A centralização da tomada de decisão aumenta a agilidade. No entanto, o efeito positivo pode ser anulado se os tomadores de decisão tentarem ampliar sua alçada, resolvendo não apenas “o que deve ser feito”, mas também “como deve ser feito”.

A quarta tendência é adotar fórmulas clássicas e pretensamente testadas de redução de custos, em lugar de soluções mais criativas, voltadas para questões estratégicas. Diante da retração do mercado, muitas empresas foram rápidas nos cortes de custos e nas demissões. Algumas aproveitaram o momento para fazer ajustes que deveriam ter sido feitos há muito tempo. Por outro lado, deixaram de ver que a crise, como todo momento de mudança, gera também oportunidades. Infelizmente, a atenção dos capitães parece estar focada demais nos problemas do momento, impedindo-os de pensar em rotas alternativas.

Infelizmente, além de seus efeitos materiais óbvios, a crise trouxe muitas empresas e muitos executivos de volta a uma conhecida e anacrônica zona de conforto, caracterizada pelo foco no curto prazo, pela agitação em torno de ações de efeito apenas cosmético e pela falta de visão estratégica. Para as organizações que caírem nessa armadilha restará apenas uma boa desculpa para os maus resultados. Aquelas que a evitarem provavelmente sairão da crise mais fortes e mais aptas a lidar com a incerteza.

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Fusões e Aquisições Empresariais

Para os turistas que visitam a Amazônia, um passeio tradicional é o encontro das águas. A atração acontece na confluência entre os rios Negro, de água preta, escura, e o Solimões, de água barrenta. Em lugar de se misturarem no ponto da junção, as águas dos dois rios correm separadas, lado a lado, por mais de 6 quilômetros. O fenômeno se deve à diferença entre a densidade, a temperatura e a velocidade das águas dos dois rios. O rio Negro corre a cerca de 2 quilômetros por hora, a uma temperatura de 22 graus, e o Solimões a cerca de 4 a 6 quilômetros por hora, a temperatura de 28 graus.

Fenômeno similar acontece longe da (por enquanto) verdejante Amazônia, nos domínios corporativos do mundo industrializado e também entre grandes empresas da emergente Pindorama. Trata-se da integração entre empresas, processo que segue fusões e aquisições. O marco inicial costuma ter data certa, mas a integração efetiva demanda, como no caso do Negro e do Solimões, bons e acidentados quilômetros de convivência.

Cumpre registrar que não se trata de fato novo. Desde os anos 1980, aumentaram consideravelmente os casos de encontros de águas. Como tudo no mundo contemporâneo, também desta feita a causa foi a tal da globalização. Afinal, foi a cria da dupla Thatcher & Reagan que originou as pressões competitivas, facilitou o acesso ao capital e decretou a necessidade de consolidação industrial.

A balbúrdia competitiva gerou fortes reflexos nas hostes corporativas. Tome-se um caso célebre. Em 1998, foi anunciada a fusão entre a alemã Daimler-Benz e a norte-americana Chrysler, dando origem à Daimler-Chrysler. A retórica oficial falava em fusão de iguais, em complementaridade estratégica e grandes sinergias a explorar. Propagandas nas revistas de negócios mostravam o lado humano da nova empresa, com fotos de operários felizes nos dois lados do Atlântico. Na prática, os dois rios nunca se misturaram. Frustrações e atritos marcaram a breve história da empresa. Em 2007, cada empresa voltou a seguir o seu curso. Agora é a italiana Fiat que se apresenta como salvadora da combalida empresa norte-americana. Serão as águas do rio Pó miscíveis com as águas do rio Detroit? Acionistas, consumidores e trabalhadores torcem para que sejam, e que a mistura seja muito, muito rápida.

Loquazes executivos costumam fazer eco ao discurso dos gurus da gestão: expressões como “DNA corporativo”, “compartilhamento de valores”, “cultura forte” e “identidade forte” passaram a integrar o jargão do mundo dos negócios. Por trás do palavrório de sentido nebuloso encontra-se a busca da uniformidade e de fundamentos comuns. Na prática, os sucessivos processos de fusão e aquisição promovidos pelas empresas dão origem a organizações extremamente fragmentadas, caracterizadas pelo que começa a ser denominado de hibridismo.

O termo hibridismo deriva da palavra latina hybrida, hibrida ou ibrida, que tem o sentido de insulto ou ultraje. Tal sentido se deve ao fato de que plantas ou animais de raças ou espécies diferentes não serem capazes de produzir descendentes comuns. Daí ser o produto do cruzamento considerado um insulto ou ultraje ao ciclo natural. Semelhanças com certos casos de fusão ou aquisição podem ser mais do que coincidência.

Nas empresas em processo de fusão e aquisição, o hibridismo pode se manifestar de diversas formas: na existência de sistemas e processos redundantes; no canibalismo entre marcas e produtos; e, principalmente, no choque entre diferentes culturas de trabalho e na disputa por cargos e funções. Para os gestores, a questão do ritmo de integração tem sido um grande foco de atenção. Apressar os rios pode gerar conflitos, perdas de quadros qualificados e riscos aos negócios. Deixar os próprios rios determinarem a velocidade de integração pode resultar em acomodação ao status quo e gerar processos lentos, incapazes de produzir resultados. Achar o ritmo certo é o grande desafio.

Em 2009, Pindorama oferece, além do fenômeno das águas amazônicas, diversos espetáculos corporativos.

E outros provavelmente virão. Em jogo, está a consolidação de grandes grupos econômicos brasileiros. Para aqueles diretamente envolvidos, os desafios e as emoções serão fortes. Para a audiência, será uma boa oportunidade para aprender sobre um processo cada vez mais frequente nas empresas. No trajeto, talvez o discurso da identidade, da cultura e do DNA corporativo dê lugar a uma postura mais realista, capaz de aceitar a realidade múltipla, instável e híbrida das organizações contemporâneas; uma postura que busque mais a convivência entre as diferenças do que a uniformização.

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Ídolos em Baixa

Se formos ingênuos a ponto de acreditar nas manchetes das revistas de negócios, concluiremos que Carlos Ghosn salvou a Nissan, Lou Gerstner fez o elefante IBM dançar, e Jack Welch levou as ações da General Electric aos céus. Por trás da despudorada adoração, repousa uma premissa: executivos-chefes são peças vitais nas engrenagens corporativas. Sua inspiração e sua transpiração abrem trilhas e levam as empresas ao sucesso. Honras e glórias lhes são devidas.

Tome-se o caso emblemático de Steve Jobs e da Apple. Jobs foi um dos fundadores da icônica organização, em 1976. Uma década e muitos computadores vendidos depois, foi afastado da própria empresa. Retornou nos anos 1990 para comandar uma reviravolta coroada por sucessos com o iMac, o iPod e o iPhone. O turnaround e os novos produtos iluminaram a estrela de Jobs e inflaram sua legião de adoradores. Em 2004, Jobs anunciou um diagnóstico de tumor no pâncreas. Desde então, sua saúde tornou-se tema público, acompanhado de perto pelo mercado financeiro. Anúncios oficiais da empresa, boatos e até mesmo notícias falsas sobre a condição física de Jobs fazem as ações da Apple oscilar, roubando em poucas horas bilhões de dólares do valor da empresa.

Harris Collingwood, em um artigo para o periódico The Atlantic, parte do caso de Jobs para introduzir uma intrigante questão: quanta diferença um executivo-chefe pode realmente fazer? Até a década de 1970, os presidentes de empresas eram figuras apagadas, tecnocratas que eram vistos, e se viam, como peças de uma engrenagem maior. Sua missão era manter, com discrição, a máquina em funcionamento. Porém, a partir do fim dos anos 1970 começaram a surgir celebridades no mundo corporativo. Lee Iacocca, na Chrysler, e Bill Gates, na Microsoft, além dos citados Steve Jobs, Jack Welch, Lou Gerstner e Carlos Ghosn tiveram seus feitos registrados em incontáveis capas de revistas, artigos e livros. Além de beneficiar os próprios executivos, o fenômeno movimentou a indústria editorial, fomentou as atividades das empresas de eventos corporativos e alimentou consultores de recursos humanos, estratégia e gestão da mudança.

Apesar da crescente oferta de fábulas de sucesso, Collingwood observa que a importância do executivo-chefe não é óbvia. As investigações sobre o tema começaram na década de 1930 e seus resultados são polêmicos. Chester Barnard, pioneiro estudioso da vida corporativa, considerava o executivo-chefe como uma força vital, a prover sentido e direção para a empresa, induzindo os liderados a fazer mais do que a simples obrigação profissional. Nem todos os seus pares concordam. Em um estudo empírico publicado em 1972 na revista científica American Sociological Review, Stanley Lieberson e James O’Connor argumentam que a influência do executivo-chefe sobre o desempenho organizacional é relativamente pequena. Os pesquisadores investigaram 167 empresas e constataram que fatores ligados ao ambiente (por exemplo, disponibilidade de capital e grau de estabilidade do mercado) e à organização (como a posição da empresa diante dos concorrentes) têm maior efeito sobre os resultados do que a ação do executivo-chefe.

James March, professor de Stanford e decano do estudo das organizações, afirma que em qualquer organização bem gerenciada os candidatos ao posto de executivo-chefe são tão parecidos em termos de educação, competências e perfil psicológico que a escolha é irrelevante. O que importa é ter alguém no cargo. Arremata March: “É difícil dizer a diferença entre duas lâmpadas; porém, se você retirar todas elas, fica difícil ler no escuro”. Jeffrey Immelt, atual presidente da General Electric, faz coro a March, afirmando, literalmente, que nos anos 1990 qualquer um poderia ter gerenciado bem a GE, até mesmo um pastor alemão!

Mostrando as nuanças do tema, um estudo conduzido por três professores de Harvard – Noam Wasserman, Bharat Anand e Nitin Nohria – concluiu que os executivos-chefes podem fazer mais diferença em algumas indústrias do que em outras. Setores muito regulados ou estáveis dão pouca margem de manobra à ação gerencial. Setores instáveis e competitivos, por outro lado, exigem criatividade, iniciativa e agilidade de seus líderes.

Collingwood fecha seu artigo com uma frase de Jeffrey Pfeffer, um professor de Stanford notório por suas posturas críticas: “Bons líderes podem fazer uma pequena diferença positiva; maus líderes podem fazer uma enorme diferença negativa”. A considerar a conduta de certos líderes pindoramenses, a máxima de Pfeffer vale também ao Sul da Linha do Equador.

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Os Perigos do GroupThink

Wall Street, o centro financeiro norte-americano, foi eleito sem concorrência o vilão da crise atual. Em uma recente entrevista concedida ao jornal The Washington Post, Warren Bennis, decano professor de liderança da Universidade do Sul da Califórnia, examina as raízes comportamentais do drama econômico. Para Bennis, os líderes das instituições financeiras perderam o contato com a realidade. O problema não está nas “maçãs podres”, mas na seleção contínua dos gananciosos mais espertos das melhores escolas de negócios, a criar um sistema fechado, uma cultura corporativa autocentrada, que perdeu a capacidade de perceber a realidade fora de seus limites.

Toda organização socializa seus funcionários, provendo-lhes definições, explícitas ou implícitas, do que é considerado certo e errado. Empresas industriais valorizam o perfeccionismo dos engenheiros. Agências de propaganda estimulam a agressividade dos vendedores. Instituições financeiras promovem a ambição pelo dinheiro e o desejo de riqueza. Sem a contraposição de controles e princípios éticos, essas características podem gerar comportamentos patológicos, isolando os gestores do ambiente externo e tornando-os autorreferenciados. É a armadilha do groupthink, ou pensamento grupal.

O termo groupthink foi cunhado na década de 1950 pelo sociólogo William H. Whyte, para explicar como grupos se tornavam reféns de sua própria coesão, tomando decisões temerárias e causando grandes fracassos. Na literatura de gestão, o caso da tentativa de invasão da Baía dos Porcos é tido como exemplo clássico. Em abril de 1961, um grupo de exilados cubanos, treinados e equipados nos Estados Unidos, tentou invadir a ilha e derrubar o jovem governo de Fidel Castro. A CIA e o governo norte-americano apostavam no sucesso rápido de mais uma aventura caribenha. O ataque durou menos de uma semana, resultou em centenas de mortes de lado a lado e azedou de forma irremediável a relação entre Cuba e os EUA.

Análises posteriores atribuíram o fracasso da operação à incompetência da CIA. A agência teria superestimado o apoio dos cubanos à causa dos rebeldes e baseado suas decisões em premissas otimistas, que não se concretizariam. Após o episódio, diretores importantes foram forçados a renunciar. Consta que Che Guevara, irônico, chegou a enviar uma mensagem ao presidente John F. Kennedy agradecendo pela invasão, que teria fortalecido substancialmente a causa revolucionária.

Os manuais de gestão definem groupthink como um processo mental coletivo que ocorre quando os grupos são uniformes, seus indivíduos pensam da mesma forma e o desejo de coesão supera a motivação para avaliar alternativas diferentes das usuais. Os sintomas são conhecidos: uma ilusão de invulnerabilidade, que gera otimismo e pode levar a correr riscos; um esforço coletivo para neutralizar visões contrárias às teses dominantes; uma crença absoluta na moralidade das ações dos membros do grupo; e uma visão distorcida dos inimigos, comumente vistos como iludidos, fracos ou simplesmente estúpidos.

Organizações marcadas pelo groupthinking exercem enorme pressão sobre seus membros. Diante de ameaças à conformidade, elas neutralizam ou expulsam os mais rebeldes. Com o tempo, desenvolvem sofisticados sistemas de autocensura, inibindo visões críticas. Essas organizações podem se tornar ambientes silenciosos, caracterizados pelo cinismo ou pelo medo de expor posições que contradigam a visão oficial.

Tão antigo quanto o conceito são as receitas para contrapor a patologia: primeiro, é preciso estimular o pensamento crítico e as visões alternativas à visão dominante; segundo, é necessário adotar sistemas transparentes de governança e procedimentos de auditoria; e, terceiro, é desejável renovar constantemente o grupo, de forma a oxigenar as discussões e o processo de tomada de decisão.

Os estudos clássicos sobre groupthink foram feitos sobre grandes fiascos militares norte-americanos: a citada tentativa de invasão da Baía dos Porcos, em 1961, a escalada da Guerra do Vietnã, de 1964 a 1967, e a recente Guerra do Iraque, iniciada em 2003. Para cada uma dessas grandes catástrofes há centenas de pequenas tragédias, que ocorreram, e continuam a ocorrer, no mundo dos negócios.

Este escriba desconhece estudos realizados em Pindorama sobre o tema. Perdem os pesquisadores locais a chance de explorar riquíssimo material nas hostes corporativas e, especialmente, nos chamados poderes do descampado central. Quiçá a capital federal possa entrar inteira para o Livro dos Recordes, como o maior caso de groupthink do mundo.

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A Turma do Fundão

Não é preciso ser um gênio consultor para saber que as empresas locais são mal geridas. As patologias corporativas são visíveis e notórias: os intrincados jogos de poder da alta gestão, a letargia e o permanente estado de confusão mental dos administradores e o frenesi amalucado dos profissionais, sempre apagando incêndios criados ou imaginários. A má gestão vitima consumidores, cidadãos e funcionários. Das pequenas às grandes empresas, das organizações sociais às burocracias estatais, quem conhece por dentro as empresas locais costuma se perguntar: como pode tal despautério funcionar?

Não deve servir de consolo, mas as empresas locais não estão sozinhas no fundo da classe. Elas têm a companhia de congêneres indianas, gregas, chinesas e até mesmo suecas e norte-americanas. Um estudo recente, conduzido pelos economistas Nick Bloom, da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, e John van Reenen, da London School of Economics, no Reino Unido, procura iluminar o fundo, o meio e a frente da classe. Revela que maus comportamentos existem em todo lugar, mas a incidência em Pindorama está além do tolerável.

Os pesquisadores partiram de uma questão antiga: como explicar as diferenças de produtividade entre empresas? Economistas costumam atribuir tais diferenças a uma “caixa-preta”, na qual repousariam as misteriosas práticas gerenciais. Administradores, por sua vez, são hábeis em escrever livros sobre as “melhores práticas gerenciais”, mas têm incrível dificuldade para provar cientificamente que o que propõem realmente gera efeitos positivos duradouros.

Bloom e Van Reenen pesquisaram mais de 4 mil empresas industriais em doze países, incluindo Pindorama. Para garantir a consistência científica, eles desenvolveram um questionário com dezoito práticas gerenciais, agrupadas em três temas. O primeiro é o monitoramento, ou quão bem as empresas acompanham suas próprias atividades e as aperfeiçoam de forma contínua. O segundo tema é o estabelecimento de metas, ou quão bem as empresas definem seus objetivos e as ações para atingi-los. O terceiro é o sistema de incentivo, ou quão bem as empresas gerenciam seus funcionários, premiando e mantendo aqueles que têm melhor desempenho. Cada prática gerencial foi avaliada a partir de uma escala de 1 (pior prática) a 5 (melhor prática), por entrevistadores treinados.

Tomando-se o conjunto de dezoito práticas, agrupadas nos três temas, os pesquisadores obtiveram índices gerais para os doze países. Na frente da classe, com média de 3,3, surgiram os Estados Unidos, a pátria mãe do management. Em seguida, com médias superiores a 3,1, vieram Alemanha, Suécia e Japão. O Brasil ficou no fundo da classe, com a média de 2,7, pouco à frente de Grécia, China e Índia.

Além de variar entre países, o índice também varia entre as empresas dentro de um mesmo país, o que não deve surpreender. Mesmo os países mais bem colocados, como Estados Unidos e Alemanha, têm algumas empresas no fundo da classe, fazendo companhia ao batalhão de empresas brasileiras e indianas.

Mas o que condiciona a qualidade das práticas gerenciais? Bloom e Van Reenen identificaram três fatores. O primeiro é a competição. Um mercado mais aberto e competitivo elimina as empresas mais incompetentes e induz à melhora contínua das práticas gerenciais das empresas mais competentes. É o velho e bom darwinismo, aplicado ao mundo dos negócios. O segundo fator é o controle e a gestão familiar. Empresas controladas e gerenciadas por famílias tendem a apresentar as piores práticas e o pior desempenho, especialmente quando o critério de escolha do primeiro executivo é o da primogenitura, ou seja, o herdeiro do comando é o filho mais velho. O terceiro fator é o grau de internacionalização. Empresas multinacionais e até mesmo domésticas que exportam costumam frequentar a frente da classe.

Para as empresas, boas práticas gerenciais estão relacionadas com produtividade, lucratividade e perenidade dos negócios. Uma gestão mais avançada também tem reflexos positivos sobre a qualidade de vida dos empregados e até mesmo do consumo de energia.

Os resultados da pesquisa levam a uma conclusão e a uma indagação. A conclusão é que, apesar de Pindorama ter um grande contingente de firmas no fundão, trazê-las para a frente da classe não requer milagres. De fato, as práticas gerenciais avaliadas na pesquisa são simples, conhecidas e consagradas. A indagação é a seguinte: o que estarão ensinando os milhares de programas de graduação e pós-graduação de administração do País? Para explicar tal mistério, talvez seja necessária uma nova pesquisa.

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domingo, 8 de novembro de 2009

A Praga da Burocracia

Balzac deixou a frase para a história: “A burocracia é um sistema gigantesco gerido por pigmeus ”. Seu país, a França, teve a duvidosa honra de cunhar o termo. A palavra burocracia combina o termo bureau (escritório ou mesa de trabalho, em francês) com o termo krátos (poder, regra ou governo, em grego).

Consta que a origem remonta ao ano de 1665, quando o rei Luís XIV nomeou Jean-Baptiste Colbert controlador-geral das finanças. Colbert reorganizou o comércio e a indústria e perseguiu os corruptos. Para garantir a atuação justa do governo, exigiu que os funcionários seguissem regras rígidas, aplicadas a todos. O rigor e a inflexibilidade de Colbert levaram Jean-Claude Marie Vincent, administrador do comércio, a criticar as resoluções, que considerava impeditivas para a atividade comercial. Para ilustrar a sua crítica, Vincent criou o termo bureaucratie, referindo-se, de forma pejorativa, à concepção e aplicação de regras, sem considerar as consequências práticas.

A burocracia fundamenta-se na ideia de que todas as funções são executadas por profissionais habilitados e balizadas por certos princípios: o caráter legal das normas e regulamentos, a formalização da comunicação e a divisão racional do trabalho. O sistema nasceu para ser a materialização da racionalidade. Porém, pelas mãos dos burocratas, converteu-se em um monstro que todos aprendemos a temer e a abominar.

A lista de disfunções e vícios associados à burocracia é longa. A burocracia afirma que, diante dela, todos somos iguais. No entanto, a igualdade de tratamento costuma vir acompanhada pela impessoalidade, pela negligência e pela ineficácia. A burocracia sacraliza as regras, que passam de meios a fins. Entre resolver um problema e seguir uma norma, o burocrata comumente opta por seguir a norma. Lixe-se o cidadão. A burocracia muda apenas lentamente, quando muda. O ambiente pode transformar-se radicalmente, mas a burocracia não se adapta. Tende a tornar-se anacrônica. A burocracia organiza-se como um sistema neutro e justo. Entretanto, a sua complexidade e o seu porte facilitam o nepotismo, os abusos de poder e a corrupção. O resultado é um sistema central em nossas vidas, do qual não conseguimos escapar, mas que costumamos odiar. A burocracia consegue somar a ineficiência ao poder ameaçador, a incompetência dos amanuenses lerdos à manipulação interesseira dos funcionários corruptos.

Dentro do sistema, os burocratas buscam incessantemente a “expansão geográfica e demográfica”. Quadros inchados significam mais gente a coordenar, mais serviço a controlar e mais poder a exercer. Assim, a burocracia combina negligência no serviço ao cidadão com a capacidade de inventar trabalho para si mesma. John Kenneth Galbraith registrou para a posteridade: “A tendência da burocracia é achar objetivo em qualquer atividade que se esteja fazendo”.

Na burocracia pública ou na privada, os burocratas procriam sem parar. Donald Keough, ex-CEO da Coca-Cola e autor de The Ten Commandments for Business Failure, comentou em alusão à própria multinacional: “Tendo despendido os meus primeiros anos no negócio de gado de meu pai, verifiquei que, se colocarmos a mistura certa de machos e fêmeas, acabaremos por obter muito mais animais. As burocracias multiplicam-se do mesmo modo. Eis como funcionam: põe-se um gestor em um lugar e, decorridos dezoito meses, ele tem uma assistente. A assistente torna-se um gestor júnior e o que se observa? Outra assistente. O ritmo continua”.

Nas burocracias, as regras originalmente estabelecidas para garantir clareza e eficiência deixam de ser meios e se transformam em fins. Por sua vez, os burocratas controlam o sistema como se protegessem a própria vida, pois sentem que mudanças podem reduzir seu poder ou sua autoridade. Com o tempo, os burocratas isolam-se em seus castelos, os abusos tornam-se corriqueiros e eventuais mudanças enfrentam barreiras intransponíveis.

Em Pindorama, muitas empresas e órgãos públicos mantêm padrões inaceitáveis de atendimento e de relacionamento com os cidadãos. Do Poder Judiciário às estatais, do sistema de saúde ao sistema de educação, observamos casos gritantes de desperdício de recursos e de desrespeito aos contribuintes. Todos temos histórias de horror para contar. A situação não é diferente em algumas empresas privadas. Além de vitimar os clientes e funcionários, essas organizações também vitimam a si próprias. No embate entre as forças para mudança e os interesses estabelecidos, os últimos continuam vencendo.

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Mudanças de Cenário Global e Troca de Estratégias


Em Pindorama, com certa licença poética, pode-se dizer que cada década tem uma identidade econômica. A década de 1970, abreviada pela crise do petróleo, foi de taxas milagrosas de crescimento. A década de 1980, a de estagnação e desemprego. A década de 1990 trouxe a fricção das grandes mudanças estruturais. A década de 2000 começou auspiciosa, alimentando uma euforia desenvolvimentista há muito ausente da memória local, mas acena um fim melancólico.

Os anos seguidos de crescimento forjaram uma mentalidade corporativa aberta a oportunidades, propensa a assumir riscos e predisposta à expansão dos negócios. No entanto, a crise parida em 2008 mudou drasticamente o quadro econômico, quebrou expectativas e levou as empresas a reverem as suas prioridades e o seu estilo de condução dos negócios.

Com o novo contexto, muda o balanço de forças dentro das organizações. Algumas funções perdem, outras ganham. O foco no crescimento e na expansão dos negócios dá lugar às preocupações mais corriqueiras com os custos e com o fluxo de caixa. Alguns personagens deixam os papéis principais, outros lhes tomam a cena. No primeiro grupo, rumando para as sombras, estão os diretores de estratégia, de marketing e de recursos humanos. No segundo grupo, ascendendo ao centro do palco, estão os diretores de finanças e de operações.

Períodos de crescimento pedem empreendedores e estrategistas. É preciso identificar oportunidades, escolher mercados-alvo e definir a forma de entrada. Nas diretorias, até as paredes percebem o mundo girando em alta velocidade e os concorrentes se movendo. Respira-se ansiedade. Em intermináveis reuniões, avaliam-se alternativas de investimentos e comparam-se retornos. Enquanto isso, os diretores de negócios e de marketing sonham com a “estratégia do oceano azul”, a busca de nichos imaculados de mercado, mares virgens, nos quais possam auferir lucros meteóricos e impulsionar suas carreiras.

Nas áreas de desenvolvimento, contingentes cada vez maiores de especialistas trabalham freneticamente para criar novos produtos e serviços que possam sustentar os agressivos planos de negócios. Dá-se ênfase para a gestão de projetos e procura-se reduzir o ciclo de desenvolvimento ao tempo mínimo possível, para garantir que as ideias saiam rapidamente das criativas mentes dos inovadores para o mercado.

A pressão atinge também as fábricas. Noite e dia, os diretores de operações examinam os indicadores de produção, visando tirar o máximo dos equipamentos e dos funcionários. Cada minuto de máquina parada é dinheiro perdido. Parar a linha de produção é crime hediondo e fazer intervenções de manutenção é um mal necessário. A prioridade é comprar e instalar novos equipamentos, pressionando fornecedores sobrecarregados a cumprir os prazos estabelecidos.

Em períodos de desaceleração econômica, o quadro muda radicalmente. Os planos de crescimento e de investimentos são congelados e a prioridade passa a ser o fluxo de caixa. É preciso garantir que as entradas sejam maiores que as saídas. Trivial, porém desafiador, quando o crédito desaparece, os clientes fogem e as despesas continuam presentes. É o momento de glória do diretor-financeiro, o homem (ou mulher), que conhece toda a “tubulação” da empresa, por onde o dinheiro entra, passa e sai.

Os diretores de negócios e de marketing perdem o brilho. Sua conversa pomposa passa a ser ignorada e os risos de cortesia, que antes seguiam seus comentários “espirituosos”, são trocados por olhares de reprovação. Com eles caem em desgraça os diretores de recursos humanos. Por algum tempo, eles serão rebaixados a diretores do departamento de pessoal. Em lugar de análises de clima, iniciativas de responsabilidade social e programas de desenvolvimento de líderes, sua missão será simples: demitir sem barulho e aposentar sem crise.

Nas fábricas, o foco também é alterado. Esqueça-se por bom tempo as ambiciosas metas de produtividade. O foco agora é cortar custos. Novos equipamentos? Nem pensar. O negócio é tirar o máximo da velha maquinaria: “Chamem a manutenção e que economizem no conserto”.

Para muitas empresas, “virar a chave” não é fácil. Há sempre uma pesada inércia a vencer. As estrelas do passado resistem. Continuam apegadas aos seus roteiros. Seguirão, por algum tempo, insistindo na importância da “inteligência emocional”, dos “programas seis-sigma” e do “desenvolvimento de líderes transformacionais”. Não será fácil para eles aceitar a dura realidade: diretores-financeiros e de operações podem ser muito chatos, mas ocuparão a ribalta em 2009, e talvez 2010, e talvez 2011...

http://www.cartacapital.com.br/app/coluna.jsp?a=2&a2=5&i=3668

Procrastinar: Causas e Efeitos

No patoá cotidiano, empregamos a expressão “empurrar com a barriga”. Ela vem assim mesmo, no infinitivo ou então no gerúndio. No entanto, o termo apropriado na fala pátria é procrastinar. Substituímos o segundo pelo primeiro para tornar a pouco edificante mania mais simpática. Empurrar com a barriga é típico de boa-praça. Procrastinar soa quase delinquente. E é difícil de falar, como se a língua lutasse para sincronizar seus movimentos com os músculos faciais, o palato a reprimir, sem sucesso, a sublevação das partes inferiores. O significado tampouco é dos mais dignos. Procrastinar (apud Houaiss) é adiar, deixar para depois, delongar, postergar. Em suma, algo bom não é.

Não obstante, a feiura não lhe subtrai popularidade: procrastinamos o início da dieta, as resoluções de ano-novo e o check-up médico, procrastinamos tudo que parece enfadonho e tudo que demanda muito trabalho, procrastinamos decisões difíceis e ações impopulares, procrastinamos no trabalho e na vida pessoal, procrastinamos o namoro (por temer o casamento) e o casamento (por temer o divórcio). Às vezes, procrastinamos a vida e até tentamos procrastinar a morte.

A popularidade e a irracionalidade do ato – a procrastinação – sempre despertarão a curiosidade dos estudiosos do comportamento humano. Por que, afinal, sabotamos ou prejudicamos a nós mesmos, deixando para amanhã o que devemos fazer hoje? Por que preferimos a agonia da espera em lugar de fazer de uma vez o que precisamos? Terá nossa herança genética nos programado para adiar e postergar? Terá nossa mente uma perversão instalada que nos isola do senso de urgência?

Alguns psicólogos apostam em nossa baixa auto-estima e em nossa insegurança. Se estivermos incertos do sucesso ou temermos os resultados, adiaremos o quanto pudermos a tarefa. Outros pesquisadores notam a falta na nossa falta de autocontrole. Sem disciplina, tendemos a agir de forma impulsiva e pouco racional, adiando atividades para as quais deveríamos dar prioridade. Naturalmente, embora às vezes seja completamente irracional, aceitamos como deveras humano tentar adiar atividades pouco estimulantes, difíceis ou simplesmente aborrecidas.

Em um número recente da revista científica Psychological Science, Sean M. McCrea e mais três colegas pesquisadores tentam outra explicação. A conclusão, que recebeu atenção da imprensa europeia e norte-americana, é que agimos em tempo quando recebemos tarefas concretas, porém tendemos a adiar o trabalho quando enxergamos as tarefas de uma forma mais abstrata, ou seja, quando percebemos uma atividade como distante do aqui e agora, tendemos a confiná-la em um futuro vago e longínquo.

Em um experimento realizado com estudantes, os pesquisadores observaram que quase todos que foram induzidos a pensar em termos concretos completaram suas tarefas dentro do prazo, enquanto mais da metade daqueles que foram induzidos a pensar de forma mais abstrata perderam seus prazos. Se os resultados forem generalizáveis, então simplesmente apresentar certas tarefas de forma mais detalhada e objetiva pode aumentar a possibilidade de tê-las resolvidas dentro do prazo.

Os resultados têm inegável interesse para o mundo corporativo, no qual o comportamento de empurrar com a barriga chega a ser endêmico. Nos últimos anos, mudanças no ambiente de trabalho, com a introdução de novos sistemas e modelos de gestão, de incontáveis prêmios e certificações, criaram uma camada de fumaça e vapor sobre as organizações. Administrar perdeu parte de seu caráter prático para se transformar em atividade abstrata, cheia de metáforas, estórias e fábulas. Muita reunião para pouca ação. Em suma, um ambiente que não só favorece a procrastinação, como também premia os procrastinadores. Neste novo ambiente, para cada decisão banal, é preciso penetrar no obscuro mundo dos modelos teóricos e discutir coerências improváveis. Mais abstração levando a mais procrastinação.

O pior é que a torpe mania gera efeito dominó. As organizações são hoje sistemas fortemente interconectados, nos quais cada área ou profissional depende de outros, e condiciona o trabalho de outros. Se uma dessas “peças” atrasa sua tarefa ou deixa de cumprir seu prazo, gera uma onda de ineficiência em todo o sistema. Somem-se essas ineficiências e chega-se ao resultado: custos altos, baixa rentabilidade, serviços de má qualidade, clientes mal atendidos e imagem prejudicada. Conclusão: procrastinar pode ser humano, mas é feio. Portanto, usemos com moderação.

http://www.cartacapital.com.br/app/coluna.jsp?a=2&a2=5&i=3443

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Entusiasmo: um Combustível Renovável


Estudei com muita atenção a edição de Melhores & Maiores 2009 - As 1 000 Maiores Empresas do Brasil, publicada pela revista EXAME, da Editora Abril, que também publica VOCÊ S/A. Procurei o diferencial que, além dos índices de desempenho, identificaria um traço comum entre os principais gestores das empresas premiadas. Conheço grande parte dos dirigentes dessas empresas e, lendo suas declarações, o fator diferenciador saltou aos meus olhos: entusiasmo!

Os dirigentes da maioria das empresas vencedoras são absolutamente apaixonados pelo que fazem - vibram a cada vitória de sua empresa e de seus subordinados. Apesar de trabalharem em média 12 horas por dia, sentem-se felizes e realizados. O entusiasmo começa por uma enorme identidade com o negócio, passa por uma simbiose de valores comuns e termina com uma clara adequação de projetos e expectativas entre a empresa e o executivo.

Quando o profissional não tem maturidade para dizer que ama seu trabalho, ele passa sempre a imagem de estar desmotivado e seu desempenho desce ladeira abaixo. Pior ainda, ele passa um exemplo terrível para as gerações futuras. O pai ou a mãe que justifica sua ausência por “ter ficado preso no trabalho” transmite aos filhos a ideia do trabalho como sendo apenas sacrifício e deixa as crianças confusas — se é tão ruim por que ele, ou ela, fica lá tanto tempo? Pensa a criança: “Provavelmente ele — ou ela — fica preso mesmo, atado à cadeira contra sua vontade”. Gostaria de ver o que essa criança vai responder quando o adulto perguntar: “O que você vai ser quando crescer?”.

Não podemos esquecer, no entanto, que podem existir enormes desilusões, como em toda relação de entusiasmo. Basta a empresa violentar os valores, sucumbir à tentação de abrir mão de princípios e a entusiasmo por ela nutrida se esvai. Entusiasmo tem de ter reciprocidade e para ser mantido requer cuidados diários e uma enorme zeladoria na tal simbiose de valores. E, às vezes, tem também que discutir a relação.

http://vocesa.abril.com.br/desenvolva-sua-carreira/materia/paixao-combustivel-renovavel-491203.shtml


X – X – X – X – X – X – X

No texto original consta “paixão” em vez de “entusiasmo”. Substituí a palavra por considerá-la mais adequada. O termo “paixão” pode fazer pensar em uma experiência puramente emocional, arrebatadora, mas passageira. Já “entusiasmo” possui um sentido de fortes emoções conjugadas com fortes razões, canalizadas para um objetivo de forma equilibrada e sensata.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

O Cronômetro de Taylor


Ele circulava pela fábrica portando um indefectível cronômetro. Quando lhe perguntavam o que fazia, respondia: "Estou medindo o grau da eficiência". O cronômetro de Frederick Taylor (engenheiro americano que viveu entre os anos 1856 e 1915, considerado o pai da administração científica) não media apenas o tempo, ele calculava a relação entre o trabalho realizado e o volume de recursos utilizados, inclusive o tempo, o mais escasso dos recursos.

O início do século 20 foi um período de espetaculares acontecimentos. Foi a era da introdução do automóvel, do telefone, do surgimento de uma nova física que dividiu o átomo, da aceitação do inconsciente humano. O mundo nunca mais foi o mesmo depois daqueles anos. Foi nesse período que alguns homens, Taylor entre eles, lançaram as bases para a criação de uma nova ciência: a administração. No dizer de Peter Drucker, essa foi a mais importante de todas as invenções, pois foi ela que viabilizou as outras. E, entre seus primeiros conceitos, encontramos a eficiência, a capacidade de atingir resultados crescentes com economia de recursos.

O tempo passa e a ideia da eficiência só se fortalece. A sustentabilidade, por exemplo, é descendente dela. Precisamos continuar produzindo, mas sem desgastar o planeta. E, acima de tudo, precisamos acertar nosso ritmo pessoal com o do mundo, pois parece que este ficou parecido com o coelho da Alice, que repetia sem parar “Estou atrasado, estou atrasado”. O mundo ficou mais rápido e fez surgir um novo tipo de patrão e de cliente, mais apressado e menos paciente. Nas empresas não precisamos só fazer mais com menos, mas mais rápido.

Sim, o cronômetro do Taylor continua ligado, mas algo mudou. Ele agora não mede a velocidade da tarefa, e sim o uso racional do tempo. O que interessa mesmo não é quanto tempo você gastou e sim como você o utilizou. Observe se você se organizou, respeitou a agenda e antecipou as urgências. Quem percebe isso tem uma vantagem sobre os demais: usa o tempo a seu favor e no final do dia pode ir para a academia, para o clube ou para o cinema, sem culpa.

http://vocesa.abril.com.br/desenvolva-sua-carreira/materia/cronometro-taylor-491223.shtml