sábado, 2 de janeiro de 2010

Administrar seus Pontos Fortes

Exagerar nos pontos fortes pode se tornar uma armadilha para o profissional. Saiba como se manter em equilíbrio

Valorize seus pontos fortes. Provavelmente, você já recebeu essa orientação algumas vezes em sua carreira. É um ótimo conselho e faz todo o sentido. Afinal, se você já tem uma aptidão natural, investir nessa habilidade parece ser o caminho mais eficaz para obter bons resultados. Pelo mesmo raciocínio, tentar aprimorar pontos fracos soa como perda de tempo, já que você dificilmente se tornará excelente naquilo em que tem pouca ou nenhuma vocação. Esse é o senso comum que baseia escolhas de carreira e decisões diárias da maioria dos profissionais. Esse modo de pensar e agir não está errado, mas tem limites — e pouca gente percebe isso.

Se você se apoia demais em uma competência, corre o risco de pecar pelo excesso. E aí o que era qualidade vira defeito. "Ao se concentrar em um determinado comportamento que julgam positivo, os profissionais são incapazes de perceber o próprio exagero", diz em entrevista a VOCÊ S/A o consultor americano Robert E. Kaplan (não confundir com o guru quase homônimo Robert S. Kaplan, criador do método Balanced Scorecard), que publicou um artigo recente sobre o assunto na edição americana da revista Harvard Business Review. Dono de uma ferramenta de avaliação de desempenho 360o, Kaplan fez uma pesquisa com 1 200 gerentes e diretores e constatou que 55% deles são acusados por pares e subordinados de exagerar na dose em pelo menos um comportamento.

Muitos tendem a se focar em um determinado comportamento, algo que pode ter sido reconhecido como qualidade em alguma empresa ou que favoreceu o profissional em uma determinada situação. “O que funcionou no passado serve como um reforço de imagem para o profissional”, diz Marcelo Cuellar, gerente da divisão de RH da Michael Page. Como exemplo, basta pensar em um executivo de vendas que tem como característica o espírito empreendedor, no qual coloca suas fichas. Ao se concentrar apenas na execução, ele deixa de pensar nos assuntos estratégicos — e aí seu desempenho cai.

A causa do problema não está apenas no profissional. Segundo Robert Kaplan, os processos de desenvolvimento de liderança e de avaliação de desempenho, na maioria das vezes, dividem as qualidades entre fortes e fracas e ignoram quando o pêndulo da balança pende exageradamente para o extremo mais favorável ao profissional.


“Os instrumentos de avaliação não consideram uma lição fundamental de décadas de investigação sobre falhas comportamentais: mais não é sempre melhor, e executivos perdem seus empregos quando seus pontos fortes viram fracos com o uso exagerado”, diz o especialista.

Kaplan diz que é possível detectar e corrigir os excessos, as que este exercício exige atenção diária e leva tempo. Trata-se de uma escolha complexa: como abandonar um hábito que até agora era visto como positivo. Sugere perguntar aos colegas: “O que mais preciso fazer?”, “O que devo parar de fazer?” e “O que devo continuar fazendo?”.


COMO DESCOBRIR SE VOCÊ EXAGERA NA DOSE

1. Incentive O Feedback: Incentive os colegas a lhe darem feedback. “As pessoas é que vão dar o sinal amarelo”, diz David Lingerfelt, diretor da consultoria Mariaca, de São Paulo. Robert Kaplan sugere perguntar aos colegas: “O que mais preciso fazer?”, “O que devo parar de fazer?” e “O que devo continuar fazendo?”.

2. Questione-se: Quais as características que você gostaria de ter como líder? Faça uma lista e cheque se você está utilizando-as em excesso. Segundo Robert Kaplan, o exercício força a pensar em um novo caminho, em desafiar alguns de seus paradigmas sobre liderança. Depois de diagnosticar o problema e tomar consciência da necessidade de mudança, é preciso exercer o novo comportamento. “Desfaça o gatilho antes de agir de determinada maneira, sempre com muita disciplina e determinação”, diz Fernanda Pomin, sócia-diretora da Korn/Ferry.

3. Pratique diariamente até mudar o comportamento: Depois de diagnosticar o problema e tomar consciência da necessidade de mudança, é preciso exercer o novo comportamento. Desfaça o gatilho antes de agir de determinada maneira, sempre com muita disciplina e determinação.

4. Busque o Equilíbrio: Quanto maior a sua preferência por um estilo de liderança, maior a falta de afinidade com o seu oposto. “Aprender outro comportamento é um exercício para se criar um novo repertório”, diz a diretora de desenvolvimento da Right Management, Marisabel Ribeiro. Assim, você terá dois repertórios e será hábil para escolher o mais apropriado diante de uma nova situação.


EXAGEROS MAIS COMUNS

Politiqueiro: Tem talento para o jogo corporativo. Mas, de tanto fazer política, começa a soar falso. Fala muito e entrega pouco. As ações são diferentes do discurso.
COMO CORRIGIR: As pessoas esperam opinião, decisão e assertividade desde que na medida certa. Não se comprometa com tarefas que não você não é capaz de concluir.

Autoconfiante: A confiança é um componente do sucesso. Mas o excesso dela leva o profissional a ignorar ou a menosprezar opiniões divergentes, prejudicando o próprio trabalho.
COMO CORRIGIR: “Valorizar-se demais é uma defesa às próprias fraquezas”, diz Fernanda Pomin, sócia-diretora da consultoria Korn/Ferry, de São Paulo. Procure enxergar as qualidades de cada integrante da equipe e imaginar como eles podem colaborar com o seu desenvolvimento.

Bicão: Ser comunicativo é bom. Abusar dessa qualidade, não. Você pode parecer intrometido e carreirista.
COMO CORRIGIR: Comunicar-se bem é saber falar e, principalmente, ouvir. Você precisa perceber como o seu comportamento está sendo assimilado pelas pessoas a sua volta.

Centralizador: O sujeito sabe que é competente, mas centraliza porque só confia em si mesmo na hora de decidir.
COMO CORRIGIR: A responsabilidade é sua, mas aprenda a delegar. “É preciso praticar a confiança”, diz Laura Castelhano, diretora- geral da BPI, consultoria de outplacement, de São Paulo.

Proativo: Mesmo com a intenção de ajudar e ser resoluto, exagerar na iniciativa pode causar a impressão de que se está passando por cima de um colega ou da equipe.
COMO CORRIGIR: Observe o impacto de suas atitudes. Quando alguém disser “Calma!” ou “Deixa comigo!”, pode estar querendo dizer para você não ir além daquele ponto.

Condescendente: A compreensão é uma qualidade. O exagero, nesse caso, é ser bonzinho demais. Como a centralização, a falta de direção também prejudica a equipe.
COMO CORRIGIR: Sem virar um tirano, organize a equipe em torno do resultado. Se a pessoa pede para sair mais cedo, deixe, mas pergunte quando ela poderá repor se for necessário.

Rígido: Organização, pensamento lógico e rotina são importantes para o gestor. Mas o excesso de rigidez prejudicará o desempenho quando ocorrer algo fora do script.
COMO CORRIGIR: Procure entender que é impossível prever tudo. Quem é organizado já está bem preparado para os imprevistos, falta apenas aceitar que eles acontecem.

http://vocesa.abril.com.br/desenvolva-sua-carreira/materia/como-profissional-pode-gerenciar-seus-pontos-fortes-490736.shtml#


Como ser Bem-Sucedido na Entrevista

Aprenda a resposta certa para as perguntas mais complicadas dos recrutadores

As entrevistas de emprego estão mais complicadas. Um estudo da consultoria Korn/Ferry, especializada em recrutar diretores e presidentes no mundo inteiro, concluiu o que, na prática, headhunters e candidatos já sentem na pele: as entrevistas de trabalho não são mais meras comprovações de competências técnicas e realizações passadas. Elas caminham para se tornar avaliações comportamentais, em que o candidato é avaliado desde o primeiro contato telefônico. "Como o entrevistador está mais rigoroso, o candidato precisa estar muito bem preparado para ver, em poucos minutos, sua vida profissional ser detalhada minuciosamente", diz Rodrigo Araújo, sócio-diretor da Korn/Ferry no Brasil.

Se passar pelo contato telefônico, o profissional terá uma conversa pessoal, na qual serão recordadas as fases mais complicadas da carreira — aquelas que envolvem arrependimentos, pontos fracos e decisões equivocadas. “Não é para constranger, mas para conhecer quem está por trás daquele estereótipo de candidato ideal, que permeia quase todos os currículos recebidos atualmente”, diz Lucia Costa, sócia-diretora da Mariaca, consultoria em gestão de capital humano. O objetivo é descobrir se a inteligência emocional do candidato ou seu estilo social combinam com o da vaga e o da empresa pretendida.

De acordo com os especialistas, ainda são poucos os executivos que ficam a vontade para falar sobre si mesmo ou sobre experiências adquiridas em situações delicadas. Por isso, a VOCÊ S/A separou algumas perguntas que exigem raciocínio complexo e mostra como você deve se portar em cada uma delas para ter sucesso numa entrevista de emprego.


QUANDO O HEADHUNTER DIZ: “Quais foram as críticas profissionais que você já recebeu que mais lhe surpreenderam?”
> ELE QUER TESTAR: Autenticidade, sinceridade e humildade em reconhecer falhas.
> COMO AGIR: “Escolha episódios que lhe chamaram atenção, mas nada que coloque em dúvida seu desempenho para a vaga em questão. Acrescente o que aprendeu e como você encara cada falha como uma oportunidade para se aperfeiçoar”, diz Marcelo Abrileri, presidente do site Curriculum.com.br.
> ATENÇÃO: Evite respostas que disfarçam um ponto positivo como se fosse negativo (por exemplo: “Era exigente demais, perfeccionista ou workaholic”). Elas passam a ideia de artificialidade.

QUANDO O HEADHUNTER DIZ: “Como você descreveria a cultura corporativa das últimas empresas por onde passou?”
> ELE QUER TESTAR: Lealdade e capacidade de se adaptar a diferentes tipos de gestão.
> COMO AGIR: “Faça um paralelo sobre o jeito de cada empresa trabalhar. Ao falar do que gostava e não gostava, seja honesto, mas apele para dados de conhecimento geral”, diz Lucia Costa, da Mariaca. “Diga, por exemplo: ‘Empresas alemãs são mais rígidas e burocráticas hierarquicamente, e eu me ressentia por mais agilidade. Por outro lado, gostava da estabilidade’.”
> ATENÇÃO: Não seja crítico e sarcástico em relação a chefes e empresas. Quem está sendo avaliado é você, não seus antigos patrões.

QUANDO O HEADHUNTER DIZ: “Conte algumas histórias sobre você em ‘ação’”
> ELE QUER TESTAR: Como você se vira na adversidade (sob pressão e prazos curtos).
> COMO AGIR: “Em qualquer entrevista, seu objetivo é convencer o recrutador de que você dá conta do recado”, diz Rodrigo Araújo, da Korn/Ferry. Conte iniciativas em que você foi o responsável, quais os desafios que esperava e o que realmente encontrou. E depois mostre os resultados: como esses obstáculos foram superados e de que forma isso o deixa pronto para futuros obstáculos.
> ATENÇÃO: Seja objetivo. Contar “um pouco” significa contar em três minutos no máximo.

QUANDO O HEADHUNTER DIZ: “Como você gerencia pessoas com pontos de vista diferentes dos seus”
> ELE QUER TESTAR: Talento para liderar um time.
> COMO AGIR: Cite projetos em que houve divergências de opinião e como você conseguiu ajudar todos a chegar a um consenso. “Por trás da pergunta, o examinador quer saber se você é sensível ao ponto de captar o que cada funcionário tem para oferecer de melhor”, diz Marcelo Abrileri, do Curriculum.com.br.
> ATENÇÃO: Aqui está sendo medido seu eventual grau de autoritarismo e como você impõe suas ideias.

QUANDO O HEADHUNTER DIZ: “Que opinião seus subordinados têm de você? E seus chefes?”
> ELE QUER TESTAR: Aptidão para ouvir e transmitir feedback.
> COMO AGIR: “Se você já passou por avaliações do tipo 360o, fica mais fácil saber o que chefes e colegas pensam”, diz Lucia, da Mariaca. “Senão, prove que você se preocupa em obter a opinião da equipe.”
> ATENÇÃO: Ninguém vence sozinho. Exalte a importância de todos que trabalham com você.

QUANDO O HEADHUNTER DIZ: “Como você se vê daqui a cinco anos?”
> ELE QUER TESTAR: Capacidade de enxergar e se planejar no longo prazo.
> COMO AGIR: “Não há problema em abrir suas aspirações para o futuro, mas evite citar nomes de empresas (principalmente das concorrentes) e cargos específicos”, diz Lucia, da Mariaca.
> ATENÇÃO: Passe a noção de que você está à procura de uma empresa com a qual possa estabelecer uma ligação duradoura.

QUANDO O HEADHUNTER DIZ: “Qual é seu maior arrependimento na carreira?”
> ELE QUER TESTAR: Capacidade de compartilhar aprendizados de experiências, até mesmo as decepcionantes.
> COMO AGIR: “Diga a verdade, mas também o que você teria feito de forma diferente se pudesse voltar no tempo e como tem aplicado esse aprendizado em outras situações”,
diz Rodrigo Araújo, da Korn/Ferry.
> ATENÇÃO: Não se faça de vítima, alegando que as circunstâncias da época eram injustas, por mais que fossem.

http://vocesa.abril.com.br/desenvolva-sua-carreira/materia/como-ter-sucesso-entrevista-emprego-490730.shtml

sábado, 28 de novembro de 2009

O Racionalista Exemplar

Ele foi uma das muitas encarnações exemplares do homem corporativo. Robert S. McNamara nasceu em 9 de junho de 1916, em São Francisco, na Califórnia. Seu pai descendia de irlandeses que imigraram para os Estados Unidos no final do século XIX, fugindo da fome. McNamara destacou-se nos estudos e obteve seu MBA em Harvard, em 1939. Trabalhou um ano como auditor da Price Waterhouse (hoje, PricewaterhouseCoopers – PwC) e retornou a Harvard, como professor assistente. Na renomada instituição, desde sempre uma fábrica de gurus de gestão, McNamara ganhou fama pelo uso da estatística e de ferramentas analíticas. No início de 1943, entrou para as Forças Armadas, aplicando suas habilidades à análise da eficácia e da eficiência dos bombardeios norte-americanos na Ásia.

Após o final da guerra, McNamara entrou para a Ford. A empresa já era uma das maiores fabricantes de automóveis do mundo, mas encontrava-se em dificuldades e havia sido suplantada pela General Motors (que, sob a direção de Alfred Sloan, se tornara um modelo de gestão). McNamara juntou-se ao grupo de jovens talentos que ajudou a reverter a situação caótica da organização, implementando modernos sistemas de gestão e controle. Em sua ascendente carreira na Ford, ajudou a modernizar a linha de produtos e teve papel decisivo na introdução de itens de segurança nos automóveis, como os cintos de segurança. No final de 1960, em reconhecimento por sua contribuição para o sucesso da empresa, McNamara se tornou o primeiro presidente que não carregava o sobrenome Ford.

Entretanto, o prodígio dos números e das análises racionais não esquentou a cadeira presidencial. John F. Kennedy, eleito em 1960, convidou-o para integrar seu gabinete, na posição de secretário do Tesouro ou de secretário de Defesa. McNamara relutou, declarou-se pouco qualificado, mas acabou por aceitar o segundo posto. Foi secretário de Defesa por oito anos, primeiro sob o comando do próprio Kennedy e, após seu traumático assassinato, sob o comando do sucessor, Lyndon B. Johnson.

O administrador levou sua personalidade racionalista e suas ferramentas analíticas para o governo. Mergulhou com seus princípios harvardianos no mundo da Guerra Fria, das guerrilhas de libertação e da ameaça do avanço comunista. Ele realizou diagnósticos, analisou alternativas, escolheu soluções e monitorou cursos de ação. Pragmático, o administrador alterou políticas, mudou estratégias, modernizou estruturas de comando e alterou a alocação de recursos. Sob Kennedy e McNamara, a diretriz de guerra de retaliação total, que imperou na década de 1950, foi substituída pelo conceito de res-posta flexível: a guerra em múltiplas frentes, que procurava conter o avanço comunista on-de ele se manifestasse.

McNamara foi também um campeão da abordagem da análise sistêmica, que se tornaria popular no mundo corporativo nas décadas seguintes. Fundamentada em princípios lógicos, essa abordagem produzia tamanha quantidade de dados que, segundo os críticos, tornava-se difícil contradizer as conclusões, mesmo que parecessem arbitrárias. McNamara deixou o governo norte-americano no início de 1968, desgastado por atritos relacionados à Guerra do Vietnã: mais de 3 milhões de vietnamitas e quase 60 mil norte-americanos morreram durante o conflito. Seu próprio filho marchou contra ele e, anos depois de sua saída do governo, um passageiro de uma bal-sa, irritado por seu papel na guerra, tentou jogá-lo ao mar. De abril de 1968 até junho de 1981, McNamara presidiu o Banco Mundial, onde marcou sua passagem pelo aumento dos programas de saúde, alimentação, educação e combate à pobreza.

O documentário The Fog of War (2003), do premiado diretor Errol Morris, traz uma longa entrevista com McNamara. Argumento central: em tempos de guerra, ninguém no comando realmente sabe o que está acontecendo. Será o mesmo argumento válido para crises? É provável. McNamara, que tinha 85 anos durante as filmagens, surge articulado e professoral, seguro e assertivo. O administrador confessa sérios erros de julgamento, porém, não aceita ter cometido falhas morais. Em um trecho sobre a guerra, ele admite para o entrevistador que era apenas uma engrenagem, parte de uma máquina maior. O documentário está organizado em onze lições. A segunda lição é “a racionalidade não vai nos salvar”. Conclusão paradoxal para um personagem que pautou suas ações pela crença na razão e pelo amor aos números e às ferramentas de análise lógica; uma figura histórica que influenciou gerações de analistas e planejadores estratégicos. A trajetória é exemplar. O filme é obrigatório.

http://www.cartacapital.com.br/app/coluna.jsp?a=2&a2=5&i=4666

Efeitos da Crise no Pensamento Estratégico

Um turista que deixasse Pindorama no verão de 2008 e retornasse no inverno de 2009 notaria sensíveis mudanças nos domínios corporativos: os planos de expansão deram lugar a cenários de contenção, os projetos de investimento cederam espaço para a austera administração do fluxo de caixa e a busca por pessoal qualificado foi trocada pela redução de quadros.

A crise, de matriz ianque, atingiu os trópicos. Afinal, no mundo financeiro, ninguém é inocente. Algumas empresas sofreram com vagalhões; outras, mais afortunadas, foram atingidas por pequenas marolas. Em uma mesa-redonda recente, organizada por este escriba na FGV-EAESP, Eduardo Dal Lago, sócio-diretor da consultoria Synthese, discutiu os efeitos da crise e as reações das empresas.

A crise elevou o grau de imprevisibilidade, antítese da estabilidade e da confiança, matérias-primas essenciais para os negócios. A nova condição de navegação, com nevoeiro espesso, mar revolto e ameaças de icebergs, parece ter surpreendido capitães e tripulações. Enquanto o crédito se esvaía, a inadimplência de clientes crescia. Enquanto a valorização do dólar aumentava o preço dos insumos importados, concorrentes lançavam-se em guerras de preços.

Além de provocar estragos nos fluxos de caixa, a crise também afetou as operações. Uma empresa de embalagens, que dividia sua produção entre clientes da indústria farmacêutica e clientes da indústria de cosméticos, observou os pedidos dos primeiros declinarem, enquanto os últimos mantinham os níveis anteriores à crise. Em uma maternidade e hospital paulistano, o efeito da crise foi similar. Enquanto a maternidade perdeu clientes, que provavelmente adiaram o crescimento da família para um momento mais propício, o hospital assistiu a um aumento do número de cirurgias, programadas por pacientes temerosos que seus empregos, e portanto seus planos de saúde, não resistissem à crise. Mudanças deste tipo desorganizam as operações e exigem reações rápidas, podendo afetar negativamente os prazos de entrega e a qualidade do atendimento.

E como as empresas estão reagindo ao novo contexto? Dal Lago apontou quatro tendências. A primeira tendência é adotar soluções de curto prazo, em detrimento de visões de médio e longo prazo. Em uma situação de crise, é esperado que as empresas trabalhem com cenários negativos, congelem investimentos e evitem contratações. Porém, quando se acredita piamente na catástrofe, pode-se estimular, inadvertidamente, o pior cenário. Ao interromper projetos quase terminados e bloquear de forma completa contratações, algumas empresas podem ter comprometido receitas que superariam os investimentos realizados.

A segunda tendência é priorizar questões financeiras e de mercado, em detrimento de questões relacionadas a pessoas e comunicação. Obviamente, quando a solvência da empresa é colocada em risco, é preciso controlar cuidadosamente os sinais vitais. Conforme observou Dal Lago: “Se o navio corre risco de afundar, primeiro é preciso cuidar dos botes salva-vidas; o bem-estar dos passageiros fica para depois”. Porém, a falta de atenção, por períodos prolongados, com o clima organizacional e com a comunicação pode levar à deterioração da gestão, à perda de talentos e a prejuízos irreversíveis.

A terceira tendência é centralizar o poder, reduzindo a autonomia do nível operacional e da linha de frente. A medida faz sentido. A centralização da tomada de decisão aumenta a agilidade. No entanto, o efeito positivo pode ser anulado se os tomadores de decisão tentarem ampliar sua alçada, resolvendo não apenas “o que deve ser feito”, mas também “como deve ser feito”.

A quarta tendência é adotar fórmulas clássicas e pretensamente testadas de redução de custos, em lugar de soluções mais criativas, voltadas para questões estratégicas. Diante da retração do mercado, muitas empresas foram rápidas nos cortes de custos e nas demissões. Algumas aproveitaram o momento para fazer ajustes que deveriam ter sido feitos há muito tempo. Por outro lado, deixaram de ver que a crise, como todo momento de mudança, gera também oportunidades. Infelizmente, a atenção dos capitães parece estar focada demais nos problemas do momento, impedindo-os de pensar em rotas alternativas.

Infelizmente, além de seus efeitos materiais óbvios, a crise trouxe muitas empresas e muitos executivos de volta a uma conhecida e anacrônica zona de conforto, caracterizada pelo foco no curto prazo, pela agitação em torno de ações de efeito apenas cosmético e pela falta de visão estratégica. Para as organizações que caírem nessa armadilha restará apenas uma boa desculpa para os maus resultados. Aquelas que a evitarem provavelmente sairão da crise mais fortes e mais aptas a lidar com a incerteza.

http://www.cartacapital.com.br/app/coluna.jsp?a=2&a2=5&i=4561

Fusões e Aquisições Empresariais

Para os turistas que visitam a Amazônia, um passeio tradicional é o encontro das águas. A atração acontece na confluência entre os rios Negro, de água preta, escura, e o Solimões, de água barrenta. Em lugar de se misturarem no ponto da junção, as águas dos dois rios correm separadas, lado a lado, por mais de 6 quilômetros. O fenômeno se deve à diferença entre a densidade, a temperatura e a velocidade das águas dos dois rios. O rio Negro corre a cerca de 2 quilômetros por hora, a uma temperatura de 22 graus, e o Solimões a cerca de 4 a 6 quilômetros por hora, a temperatura de 28 graus.

Fenômeno similar acontece longe da (por enquanto) verdejante Amazônia, nos domínios corporativos do mundo industrializado e também entre grandes empresas da emergente Pindorama. Trata-se da integração entre empresas, processo que segue fusões e aquisições. O marco inicial costuma ter data certa, mas a integração efetiva demanda, como no caso do Negro e do Solimões, bons e acidentados quilômetros de convivência.

Cumpre registrar que não se trata de fato novo. Desde os anos 1980, aumentaram consideravelmente os casos de encontros de águas. Como tudo no mundo contemporâneo, também desta feita a causa foi a tal da globalização. Afinal, foi a cria da dupla Thatcher & Reagan que originou as pressões competitivas, facilitou o acesso ao capital e decretou a necessidade de consolidação industrial.

A balbúrdia competitiva gerou fortes reflexos nas hostes corporativas. Tome-se um caso célebre. Em 1998, foi anunciada a fusão entre a alemã Daimler-Benz e a norte-americana Chrysler, dando origem à Daimler-Chrysler. A retórica oficial falava em fusão de iguais, em complementaridade estratégica e grandes sinergias a explorar. Propagandas nas revistas de negócios mostravam o lado humano da nova empresa, com fotos de operários felizes nos dois lados do Atlântico. Na prática, os dois rios nunca se misturaram. Frustrações e atritos marcaram a breve história da empresa. Em 2007, cada empresa voltou a seguir o seu curso. Agora é a italiana Fiat que se apresenta como salvadora da combalida empresa norte-americana. Serão as águas do rio Pó miscíveis com as águas do rio Detroit? Acionistas, consumidores e trabalhadores torcem para que sejam, e que a mistura seja muito, muito rápida.

Loquazes executivos costumam fazer eco ao discurso dos gurus da gestão: expressões como “DNA corporativo”, “compartilhamento de valores”, “cultura forte” e “identidade forte” passaram a integrar o jargão do mundo dos negócios. Por trás do palavrório de sentido nebuloso encontra-se a busca da uniformidade e de fundamentos comuns. Na prática, os sucessivos processos de fusão e aquisição promovidos pelas empresas dão origem a organizações extremamente fragmentadas, caracterizadas pelo que começa a ser denominado de hibridismo.

O termo hibridismo deriva da palavra latina hybrida, hibrida ou ibrida, que tem o sentido de insulto ou ultraje. Tal sentido se deve ao fato de que plantas ou animais de raças ou espécies diferentes não serem capazes de produzir descendentes comuns. Daí ser o produto do cruzamento considerado um insulto ou ultraje ao ciclo natural. Semelhanças com certos casos de fusão ou aquisição podem ser mais do que coincidência.

Nas empresas em processo de fusão e aquisição, o hibridismo pode se manifestar de diversas formas: na existência de sistemas e processos redundantes; no canibalismo entre marcas e produtos; e, principalmente, no choque entre diferentes culturas de trabalho e na disputa por cargos e funções. Para os gestores, a questão do ritmo de integração tem sido um grande foco de atenção. Apressar os rios pode gerar conflitos, perdas de quadros qualificados e riscos aos negócios. Deixar os próprios rios determinarem a velocidade de integração pode resultar em acomodação ao status quo e gerar processos lentos, incapazes de produzir resultados. Achar o ritmo certo é o grande desafio.

Em 2009, Pindorama oferece, além do fenômeno das águas amazônicas, diversos espetáculos corporativos.

E outros provavelmente virão. Em jogo, está a consolidação de grandes grupos econômicos brasileiros. Para aqueles diretamente envolvidos, os desafios e as emoções serão fortes. Para a audiência, será uma boa oportunidade para aprender sobre um processo cada vez mais frequente nas empresas. No trajeto, talvez o discurso da identidade, da cultura e do DNA corporativo dê lugar a uma postura mais realista, capaz de aceitar a realidade múltipla, instável e híbrida das organizações contemporâneas; uma postura que busque mais a convivência entre as diferenças do que a uniformização.

http://www.cartacapital.com.br/app/coluna.jsp?a=2&a2=5&i=4316

Ídolos em Baixa

Se formos ingênuos a ponto de acreditar nas manchetes das revistas de negócios, concluiremos que Carlos Ghosn salvou a Nissan, Lou Gerstner fez o elefante IBM dançar, e Jack Welch levou as ações da General Electric aos céus. Por trás da despudorada adoração, repousa uma premissa: executivos-chefes são peças vitais nas engrenagens corporativas. Sua inspiração e sua transpiração abrem trilhas e levam as empresas ao sucesso. Honras e glórias lhes são devidas.

Tome-se o caso emblemático de Steve Jobs e da Apple. Jobs foi um dos fundadores da icônica organização, em 1976. Uma década e muitos computadores vendidos depois, foi afastado da própria empresa. Retornou nos anos 1990 para comandar uma reviravolta coroada por sucessos com o iMac, o iPod e o iPhone. O turnaround e os novos produtos iluminaram a estrela de Jobs e inflaram sua legião de adoradores. Em 2004, Jobs anunciou um diagnóstico de tumor no pâncreas. Desde então, sua saúde tornou-se tema público, acompanhado de perto pelo mercado financeiro. Anúncios oficiais da empresa, boatos e até mesmo notícias falsas sobre a condição física de Jobs fazem as ações da Apple oscilar, roubando em poucas horas bilhões de dólares do valor da empresa.

Harris Collingwood, em um artigo para o periódico The Atlantic, parte do caso de Jobs para introduzir uma intrigante questão: quanta diferença um executivo-chefe pode realmente fazer? Até a década de 1970, os presidentes de empresas eram figuras apagadas, tecnocratas que eram vistos, e se viam, como peças de uma engrenagem maior. Sua missão era manter, com discrição, a máquina em funcionamento. Porém, a partir do fim dos anos 1970 começaram a surgir celebridades no mundo corporativo. Lee Iacocca, na Chrysler, e Bill Gates, na Microsoft, além dos citados Steve Jobs, Jack Welch, Lou Gerstner e Carlos Ghosn tiveram seus feitos registrados em incontáveis capas de revistas, artigos e livros. Além de beneficiar os próprios executivos, o fenômeno movimentou a indústria editorial, fomentou as atividades das empresas de eventos corporativos e alimentou consultores de recursos humanos, estratégia e gestão da mudança.

Apesar da crescente oferta de fábulas de sucesso, Collingwood observa que a importância do executivo-chefe não é óbvia. As investigações sobre o tema começaram na década de 1930 e seus resultados são polêmicos. Chester Barnard, pioneiro estudioso da vida corporativa, considerava o executivo-chefe como uma força vital, a prover sentido e direção para a empresa, induzindo os liderados a fazer mais do que a simples obrigação profissional. Nem todos os seus pares concordam. Em um estudo empírico publicado em 1972 na revista científica American Sociological Review, Stanley Lieberson e James O’Connor argumentam que a influência do executivo-chefe sobre o desempenho organizacional é relativamente pequena. Os pesquisadores investigaram 167 empresas e constataram que fatores ligados ao ambiente (por exemplo, disponibilidade de capital e grau de estabilidade do mercado) e à organização (como a posição da empresa diante dos concorrentes) têm maior efeito sobre os resultados do que a ação do executivo-chefe.

James March, professor de Stanford e decano do estudo das organizações, afirma que em qualquer organização bem gerenciada os candidatos ao posto de executivo-chefe são tão parecidos em termos de educação, competências e perfil psicológico que a escolha é irrelevante. O que importa é ter alguém no cargo. Arremata March: “É difícil dizer a diferença entre duas lâmpadas; porém, se você retirar todas elas, fica difícil ler no escuro”. Jeffrey Immelt, atual presidente da General Electric, faz coro a March, afirmando, literalmente, que nos anos 1990 qualquer um poderia ter gerenciado bem a GE, até mesmo um pastor alemão!

Mostrando as nuanças do tema, um estudo conduzido por três professores de Harvard – Noam Wasserman, Bharat Anand e Nitin Nohria – concluiu que os executivos-chefes podem fazer mais diferença em algumas indústrias do que em outras. Setores muito regulados ou estáveis dão pouca margem de manobra à ação gerencial. Setores instáveis e competitivos, por outro lado, exigem criatividade, iniciativa e agilidade de seus líderes.

Collingwood fecha seu artigo com uma frase de Jeffrey Pfeffer, um professor de Stanford notório por suas posturas críticas: “Bons líderes podem fazer uma pequena diferença positiva; maus líderes podem fazer uma enorme diferença negativa”. A considerar a conduta de certos líderes pindoramenses, a máxima de Pfeffer vale também ao Sul da Linha do Equador.

http://www.cartacapital.com.br/app/coluna.jsp?a=2&a2=5&i=4203

Os Perigos do GroupThink

Wall Street, o centro financeiro norte-americano, foi eleito sem concorrência o vilão da crise atual. Em uma recente entrevista concedida ao jornal The Washington Post, Warren Bennis, decano professor de liderança da Universidade do Sul da Califórnia, examina as raízes comportamentais do drama econômico. Para Bennis, os líderes das instituições financeiras perderam o contato com a realidade. O problema não está nas “maçãs podres”, mas na seleção contínua dos gananciosos mais espertos das melhores escolas de negócios, a criar um sistema fechado, uma cultura corporativa autocentrada, que perdeu a capacidade de perceber a realidade fora de seus limites.

Toda organização socializa seus funcionários, provendo-lhes definições, explícitas ou implícitas, do que é considerado certo e errado. Empresas industriais valorizam o perfeccionismo dos engenheiros. Agências de propaganda estimulam a agressividade dos vendedores. Instituições financeiras promovem a ambição pelo dinheiro e o desejo de riqueza. Sem a contraposição de controles e princípios éticos, essas características podem gerar comportamentos patológicos, isolando os gestores do ambiente externo e tornando-os autorreferenciados. É a armadilha do groupthink, ou pensamento grupal.

O termo groupthink foi cunhado na década de 1950 pelo sociólogo William H. Whyte, para explicar como grupos se tornavam reféns de sua própria coesão, tomando decisões temerárias e causando grandes fracassos. Na literatura de gestão, o caso da tentativa de invasão da Baía dos Porcos é tido como exemplo clássico. Em abril de 1961, um grupo de exilados cubanos, treinados e equipados nos Estados Unidos, tentou invadir a ilha e derrubar o jovem governo de Fidel Castro. A CIA e o governo norte-americano apostavam no sucesso rápido de mais uma aventura caribenha. O ataque durou menos de uma semana, resultou em centenas de mortes de lado a lado e azedou de forma irremediável a relação entre Cuba e os EUA.

Análises posteriores atribuíram o fracasso da operação à incompetência da CIA. A agência teria superestimado o apoio dos cubanos à causa dos rebeldes e baseado suas decisões em premissas otimistas, que não se concretizariam. Após o episódio, diretores importantes foram forçados a renunciar. Consta que Che Guevara, irônico, chegou a enviar uma mensagem ao presidente John F. Kennedy agradecendo pela invasão, que teria fortalecido substancialmente a causa revolucionária.

Os manuais de gestão definem groupthink como um processo mental coletivo que ocorre quando os grupos são uniformes, seus indivíduos pensam da mesma forma e o desejo de coesão supera a motivação para avaliar alternativas diferentes das usuais. Os sintomas são conhecidos: uma ilusão de invulnerabilidade, que gera otimismo e pode levar a correr riscos; um esforço coletivo para neutralizar visões contrárias às teses dominantes; uma crença absoluta na moralidade das ações dos membros do grupo; e uma visão distorcida dos inimigos, comumente vistos como iludidos, fracos ou simplesmente estúpidos.

Organizações marcadas pelo groupthinking exercem enorme pressão sobre seus membros. Diante de ameaças à conformidade, elas neutralizam ou expulsam os mais rebeldes. Com o tempo, desenvolvem sofisticados sistemas de autocensura, inibindo visões críticas. Essas organizações podem se tornar ambientes silenciosos, caracterizados pelo cinismo ou pelo medo de expor posições que contradigam a visão oficial.

Tão antigo quanto o conceito são as receitas para contrapor a patologia: primeiro, é preciso estimular o pensamento crítico e as visões alternativas à visão dominante; segundo, é necessário adotar sistemas transparentes de governança e procedimentos de auditoria; e, terceiro, é desejável renovar constantemente o grupo, de forma a oxigenar as discussões e o processo de tomada de decisão.

Os estudos clássicos sobre groupthink foram feitos sobre grandes fiascos militares norte-americanos: a citada tentativa de invasão da Baía dos Porcos, em 1961, a escalada da Guerra do Vietnã, de 1964 a 1967, e a recente Guerra do Iraque, iniciada em 2003. Para cada uma dessas grandes catástrofes há centenas de pequenas tragédias, que ocorreram, e continuam a ocorrer, no mundo dos negócios.

Este escriba desconhece estudos realizados em Pindorama sobre o tema. Perdem os pesquisadores locais a chance de explorar riquíssimo material nas hostes corporativas e, especialmente, nos chamados poderes do descampado central. Quiçá a capital federal possa entrar inteira para o Livro dos Recordes, como o maior caso de groupthink do mundo.

http://www.cartacapital.com.br/app/coluna.jsp?a=2&a2=5&i=4044